Pote de ouro

21 de novembro de 20168min5
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Estadão

Nos anos 90, o rapper Snoop Dogg dizia que a maconha era “crônica” (gíria que passou a ser empregada para designar variedades de alta qualidade da erva). A droga era ilícita e “muito massa”. Hoje Dogg investe no segmento de produção e comercialização de cannabis e a droga começa a ser tratada como um bem de consumo. Em 8 de novembro, os eleitores de quatro Estados americanos, incluindo a Califórnia, aprovaram o uso recreativo da maconha. Em quatro outros Estados, a legislação que regula a utilização da erva para fins medicinais foi flexibilizada. Em vista disso, cerca de três quintos da população americana agora vive em Estados que permitem alguma forma de consumo de cannabis.

Para os empresários do setor, descortina-se um auspicioso horizonte de normalidade. Na semana passada, suas lideranças se reuniram em Las Vegas para discutir os rumos que pode tomar a expansão de um mercado já parcialmente estabelecido e de tamanho nada desprezível. Atualmente, mais de 32 milhões de americanos fazem uso de maconha. Conforme a normalização avançar, novos consumidores serão atraídos. “Não é sempre que você tem um setor com crescimento garantido”, diz Brendan Kennedy, do fundo de private equity Privateer Holdings, focado em empreendimentos voltados para a produção e comercialização de cannabis. Em 2015, as vendas legais do produto somaram US$ 6 bilhões, informa a empresa de investimentos e pesquisa de mercado Arcview Group, que projeta um faturamento três vezes maior para o setor até 2020.

Não se deve esquecer, porém, que, em nível nacional, a maconha continua a ser ilegal nos EUA. As autoridades federais têm, de modo geral, respeitado as regras estabelecidas pelos Estados, mas é possível que o governo de Donald Trump adote um comportamento mais agressivo. Mesmo que isso não aconteça, o fato de que a legislação federal proíba o consumo, a posse e a comercialização da erva impõe restrições aos negócios. Poucos bancos concedem empréstimos a empresas que lidam diretamente com a planta. Não é possível manter operações interestaduais nem deduzir despesas ordinárias dos impostos, o que comprime as margens de lucro.

Apesar disso, novas startups brotam diariamente. Muitas delas nem chegam a lidar diretamente com a erva, o que lhes permite aproveitar a expansão do setor sem ter de respeitar suas normas mais rígidas. A californiana Kush Bottles, por exemplo, vende embalagens adaptadas às exigências idiossincráticas que as autoridades estaduais estabeleceram para o segmento. Além disso, há companhias mais tradicionais também de olho nas boas perspectivas da cannabis. A fabricante de produtos para jardinagem Scotts Miracle-Gro, uma empresa de capital aberto, espera conquistar clientes entre os consumidores que plantam ou desejam plantar maconha em casa.

Outras empresas lidam diretamente com a planta, dedicando-se a seu cultivo, processamento ou distribuição. Esse segmento específico já passa por um processo de depuração. O avanço da legalização fez com que os preços da maconha caíssem, levando muitos pequenos empreendedores a desistirem do negócio. Companhias maiores, com estrutura administrativa mais sólida, tiveram mais sucesso. A LivWell, por exemplo, que se dedica ao cultivo e manipulação da erva, atualmente tem 14 pontos de venda no Colorado, Estado que legalizou o uso recreativo da cannabis em 2014. Antes de entrar no negócio, seus fundadores comandavam uma empresa que fornecia artigos para bebês para o Walmart.

As companhias do segmento de cannabis têm muito em comum com as fabricantes de bens de consumo tradicionais. Com o intuito de contornar as restrições ao comércio interestadual, por exemplo, as empresas financiadas pelo Privateer licenciam suas marcas e métodos de produção para companhias estabelecidas em outros Estados, seguindo estratégia muito semelhante à adotada pela Coca-Cola em diversos países do mundo. E, tal como grandes fabricantes de alimentos, que cresceram no século 20 processando ingredientes básicos para produzir guloseimas mais saborosas e lucrativas, muitas delas transformam a erva em biscoitos, balas, extratos e óleos. “Com os tomates não dá para lucrar muito”, observa Troy Dayton, da Arcview, “mas os molhos são promissores”. No Colorado, a participação de mercado da flor de cannabis, normalmente utilizada em baseados, que em 2014 era de 68%, caiu para 57% nos primeiros nove meses deste ano, segundo a BDS Analytics. Mas as versões processadas de cannabis estão em alta.

Uma coisa que muitos temem é que o segmento desperte o interesse da indústria tabagista. Convivendo há tempos com normas bastante restritivas, as fabricantes de cigarro não terão dificuldades para lidar com as complexidades da legislação criada para regular a produção e comercialização de cannabis, diz Vivien Azer, da empresa de serviços financeiros Cowen. As pesquisas realizadas com vapores inaláveis poderão ser adaptadas para a produção de “baseados eletrônicos”. Se a maconha for legalizada nacionalmente, as fabricantes de tabaco provavelmente irão às compras, adquirindo grande número de pequenas empresas que vêm se expandindo com rapidez no setor. Enquanto isso não acontece, o Colorado oferece pistas de como pode ser o futuro: o Estado tem hoje mais estabelecimentos que comercializam maconha do que cafeterias da rede Starbucks.

© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER  

LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.  

TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  

ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

 


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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