5 de dezembro de 2024

Articulações da Justiça frente aos desafios gerados pela drogadicção e pelo alcoolismo

6 de outubro de 20178min19
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Consultor Jurídico

MP NO DEBATE

Por Mário Sérgio Sobrinho

Poucos dias atrás, nosso calendário marcou o dia 6 de agosto de 2017. Nessa data, no ano de 1945, um avião bombardeiro norte-americano, modelo B-29, causou mortes e destruição sem precedentes ao lançar a temível bomba atômica sobre Hiroshima, no Japão.

De volta ao dia 6 de agosto, não em 1945, mas num domingo de 2017, a imprensa brasileira noticiou que uma jovem mesária a serviço da Justiça Eleitoral do Amazonas fora agredida por uma eleitora aparentemente embriagada. No mesmo dia, no sul do país, quatro pessoas foram atropeladas por dois carros em balneário do estado de Santa Catarina, cujos motoristas fugiram, mas um deles, ao ser preso, apresentava sinais de embriaguez.

Um dia antes, ou seja, no dia 5 de agosto de 2017, o médico Drauzio Varella escreveu artigo no jornal Folha de S.Paulo sobre a desigualdade da resposta judiciária ao abordar situações inexplicáveis envolvendo alguns casos relacionados ao tráfico de drogas e também ao desvio de dinheiro público, com foco na precária situação prisional brasileira.

Talvez o simbolismo da detonação de uma bomba atômica inicialmente mencionada ajude cada um a refletir sobre os efeitos devastadores das ações praticadas sob o domínio de substância psicoativa e dos danos causados àqueles alcançados pelas consequências desse comportamento.

Respeitado o drama que envolve os usuários que abusam das drogas e do álcool e observadas as peculiaridades de cada situação, é possível notar que a pessoa que desenvolveu a doença da drogadicção e do alcoolismo, além de vivenciar intenso sofrimento físico e psíquico relacionado ao consumo abusivo (ou falta) dessa substâncias, pode gerar danos a terceiros e prejuízos intensos a ele próprio, muitos deles evitáveis, além de ser capaz de causar sérios efeitos aos seus familiares que, algumas vezes, desenvolvem quadro de desequilíbrio intenso e incapacitante chamado codependência.

Muitas pessoas devem conhecer casos que poderiam materializar com nome e endereço de pessoas e de famílias que vivenciaram ou vivem nessa situação de codependência.

A precária situação de saúde física e mental em que se coloca um adicto e/ou alcoolista, não raramente, prejudica relacionamentos privados, familiares, sociais e profissionais, gerando reflexos doídos ao indivíduo, à família, à sociedade e ao ambiente de trabalho.

Embora tristes os reflexos negativos dos desarranjos fundados no abuso de substâncias psicoativas, situações mais corriqueiras, como as bebedeiras intensas com apagamento de memória, até as mais sérias, como a causação de resultados dramáticos e perda de vidas não deveriam ser somente lamentadas ou consideradas fatalidade. A repetição, a amplitude e a intensidade desses acontecimentos devem servir como argumento para desafiar, ainda mais, a sociedade e, especialmente, gerar respostas das diversas áreas e dos serviços que se ocupam desse problema para juntos prevenir e enfrentar, de modo sistemático e organizado, o abuso das drogas e do álcool no Brasil.

A sociedade moderna pretende desmistificar as questões ligadas às drogas e ao álcool e não deseja estigmatizar quem abuse dessas substâncias. Entretanto, de modo organizado, a sociedade ainda não conseguiu investir recursos e concentrar esforços suficientes para oferecer caminhos menos tortuosos para quem desejar receber cuidados para essa questão, providência que pelo menos em parte poderia ser potencializada pela ação coordenada da Justiça.

O sistema legal prevê resposta policial e judicial para casos severos que resultem danos produto de ações praticadas por alguém sob efeito ou seriamente envolvido com alguma substância psicoativa.

Quando algum agente da polícia ou da Justiça é chamado para cuidar de caso em que o infrator ou a vítima, comprovadamente, estiver envolvido com abuso de substâncias psicoativas, paralelamente às providências legais, caberia intervenção diversa, além das técnicas policiais e judiciais, a facilitar a aplicação de mecanismos consensuais que permitissem ao agente público reconhecer a questão do abuso de substâncias, e, se fosse o caso, acompanhar e fiscalizar essa pessoa diante do serviço ou do atendimento próprio disponibilizado oportunamente.

Esse tipo de intervenção não significa intromissão indevida em outras áreas e deve integrar o repertório profissional desses agentes. Imaginem um professor que percebe entre os alunos da sua classe ue um deles tem sinais claros de comprometedora deficiência visual. Esse homem ou mulher poderia ser encarado como um educador se permanecesse inerte aguardando o final do ano letivo para reprovar esse aluno por insuficiência no cumprimento das tarefas e exibição de desempenho insatisfatório?

De modo semelhante, especialmente, aos órgãos que se relacionam com o Poder Judiciário, entre eles o Ministério Público, a Defensoria e advocacia, caberia reservar esforços para desenvolver e aplicar estratégias institucionais eficazes para oferecer e, quando fosse o caso, acompanhar o infrator que cometesse algum delito intoxicado pelo abuso de drogas ou de álcool ou, também, que praticasse ação delituosa impelido da vontade de obter ou adquirir recursos para ter acesso a essas substâncias, como por vezes ocorre com algum usuário precocemente inserido no pequeno comércio das drogas.

Essa postura, já adotada em outros países, economiza esforços e reduz gastos ao tornar menos provável que o infrator retorne ao sistema de Justiça, ocupe vaga em estabelecimento prisional, demande leito de internação hospitalar ou, de outro modo, exija intervenção pública custosa. Isso sem falar na satisfação da família que normalmente compreende que seu familiar necessita receber cuidados, mas não consegue sem estímulo a motivação para iniciar e se manter em atendimento.

Mário Sérgio Sobrinho é procurador de Justiça do MP-SP e integrante do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).

 
 

Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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