Legalização do jogo conduzirá ao fortalecimento do crime organizado

2 de agosto de 20166min13
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Blog Reinaldo Azevedo

Acho sempre encantadoras esses teses que pretendem botar ordem no bordel. Remetem, sei lá, ao livro “Filosofia na Alcova”, de Marquês de Sade. A sacanagem do livro é da pesada, mas o autor é de um rigor burocrático que chega a ser enfadonho. Cada safadeza é devidamente detalhada, com regras de decoro. Não pensem que é só tirar a roupa e enfiar o pé na jaca! Nada disso! Há que seguir uma espécie de manual.

Por que essa introdução heterodoxa? Tramita no Senado a proposta de legalização do jogo, de qualquer jogo. O relator é Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), que deve aquiescer com ela, mas sugerindo mudanças: a fiscalização, por exemplo, não seria feita pelos Estados, como está no projeto original, mas pela União, por intermédio da Caixa Econômica Federal. Bezerra Coelho deve sugerir também que parte da arrecadação dos impostos seja dirigida à modernização da Polícia Federal.

Sou contra a legalização da jogatina, ainda que eu saiba que existem mesas clandestinas de jogos em operação e que muitos brasileiros saiam de vez em quando do país para jogar logo adiante, no Uruguai, por exemplo.

“Ah, que liberal estranho é você, Reinaldo, que quer o Estado proibindo até jogo…” Pois é. Eu não me importo de ser ou de parecer estranho. Em “O Ópio dos Intelectuais”, o conservador Raymond Aron, em meados da década de 50, já não fazia questão de pertencer a um figurino ideológico. Preferia debater as ações que funcionavam e as que não funcionavam, em vez de prestar tributo a uma “doutrina” — um das taras exemplares das esquerdas.

É evidente que, tão logo legalizado, o jogo se tornará o caminho natural da lavagem de dinheiro, por mais eficientes e duras que sejam a legislação e a fiscalização. Sem contar que nada impede que o jogo legalizado, devidamente tributado, seja apenas o caminho mais curto para que se amplie o jogo clandestino.

Não é preciso ser bidu para constatar, por exemplo, que o jogo em Las Vegas, nos Estados Unidos, é comandando pelo crime organizado, cujo tripé é formado ainda pela prostituição e pelo tráfico de drogas. E não se pode acusar a legislação daquele país de leniente. Esse negócio de reservar uma parcela da arrecadação para a Polícia Federal é só um mimo da hipocrisia, um tributo que o vício, literalmente, presta à virtude.

Ora, que se aproveite o momento, então, para aumentar a demagogia: que tal reservar uma parcela às criancinhas pobres e outra à Saúde? Criancinhas e velhinhos doentes sempre são uma excelente desculpa para a bandalheira.

É impressionante! O Brasil não conseguiu, até agora, nem está em vias de conseguir, pôr fim ao PCC, que é, por tudo o que se sabe, um verdadeiro Partido do Crime. Franjas da organização investem em negócios legais, como postos de gasolina e transporte público. Por que diabos ela não se meteria também, por intermédio de laranjas, no jogo legalizado?

“Ah, mesmo proibido, o jogo existe…” Bem, eu me nego a raciocinar nesses termos, porque se trata de uma ruminação. Eu me recuso a debater um disciplinamento do homicídio, já que, afinal, embora crime, continue a existir. Não acho que descriminar o crime seja um bom caminho para a ordem democrática.

Também não considero que “jogar” componha o capítulo dos direitos individuais ou naturais. Trata-se de uma atividade de caráter social. Se a experiência demonstra, e demonstra, que os Estados nacionais não conseguem manter a atividade longe das organizações criminosas, que sentido há em fazer tal opção? O aumento da arrecadação certamente não cobrirá o prejuízo decorrente do fortalecimento das máfias.

Consta que o governo Temer vê a coisa com bons olhos. Se assim for, lamento! Então está a fazer a pior escolha.

“Ah, joga quem quer…” Claro, claro… Mas a sociedade tem o direito de não querer ampliar o poder de que os bandidos já dispõem hoje em dia.

Na forma como está, o debate me parece absolutamente indecoroso.


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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