7 de outubro de 2024

Faltou prudência

6 de fevereiro de 20177min10
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Opinião – Estadão

(imagem: reprodução)

Homens públicos, especialmente os que desempenham funções que podem mudar a vida dos cidadãos, devem se pautar sempre pela prudência ao se manifestar. Ao contrário das pessoas comuns, cuja opinião, isoladamente, não tem quase nenhum efeito sobre as decisões de maior impacto para o País, esses homens públicos não podem expor o que pensam sem antes pesar cuidadosamente suas palavras, pois estas, de uma forma ou de outra, terão peso no debate nacional – e uma opinião exposta de forma inconsequente pode ajudar a distorcer esse debate, levando a conclusões deletérias para o País. Assim, causou espanto a ligeireza com que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso tratou recentemente da questão da legalização do uso de drogas.

Em uma conversa com jornalistas no dia 1.º passado, Barroso disse que a crise no sistema penitenciário enseja “agudamente” a discussão sobre as drogas, pois a atual política de repressão ao narcotráfico acaba por colocar nas cadeias jovens “que não são perigosos” e que, segundo seu raciocínio, ali se tornarão verdadeiros criminosos. O ministro sugeriu então que se fizesse uma experiência, legalizando primeiro a produção, a distribuição e o consumo de maconha, taxando o produto como se faz com o cigarro.

“A primeira etapa, ao meu ver, deve ser a descriminalização da maconha. Mas não é descriminalizar o consumo pessoal, é mais profundo do que isso. A gente deve legalizar a maconha”, perorou Barroso, como se estivesse em uma mesa de bar. “Isso quebra o poder do tráfico. Porque o que dá poder ao tráfico é a ilegalidade”, continuou ele, seguro de que descobriu a fórmula mágica para acabar, de uma vez por todas, com essa terrível chaga mundial. A certeza é tanta que Barroso foi além: “Se der certo com a maconha, aí eu acho que deve passar para a cocaína e quebrar o tráfico mesmo”.

A impropriedade da afirmação do ministro do STF, que deveria se limitar a se pronunciar nos autos dos processos que julga, só não é maior do que sua afetada ingenuidade. Qualquer um minimamente informado sabe que não basta legalizar uma ou outra droga para “quebrar o tráfico”. Mesmo que todas as drogas fossem legalizadas o tráfico não acabaria, pela simples razão de que a regulamentação do comércio de drogas forçaria a criação de um mercado paralelo, em que os entorpecentes seriam vendidos por preços mais baixos. É o que acontece, por exemplo, com a indústria do tabaco, que enfrenta o contrabando de cigarros, que hoje representa 30% do mercado nacional.

É ocioso, contudo, opor argumentos racionais às alegações de Barroso, porque se trata de uma falsa questão. O consumo de entorpecentes já está, na prática, descriminalizado, a julgar pelo que vai na Lei Antidrogas (11.343/06). A questão, para Barroso, é a prisão dos que ele chama de “pequenos traficantes”. Segundo o ministro, “um dos grandes problemas que as drogas têm gerado no Brasil é a prisão de milhares de jovens, com frequência primários e de bons antecedentes, que são jogados no sistema penitenciário”.

São, diz ele, “pessoas que não são perigosas quando entram, mas que se tornam perigosas quando saem”. O ideal, portanto, seria “superar preconceitos” e “lidar com o fato de que a guerra às drogas fracassou e agora temos dois problemas: a droga e as penitenciárias entupidas de gente que entra não sendo perigosa e sai perigosa”.

Ora, a seguir-se a lógica do ministro Barroso, a crise penitenciária estará resolvida no dia em que nenhum jovem for conduzido à cadeia, seja por que crime for. Em vez de lutar para melhorar as prisões, basta que se rasguem os diplomas legais. A esse ponto chegou o ativismo que ora impregna os discursos e as atitudes de muitos hoje no Judiciário, a começar por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, a quem justamente cabe guardar a Constituição, e não reinventá-la. Esquece-se também o ministro que é o dinheiro que um jovem bem nascido dá ao inofensivo passador de “pacos” que paga a bala que matará uma mãe, um pai, uma criança. A esse ponto não chega a preocupação do cidadão que exerce seu sagrado direito de dar palpites.

Por fim, mas não menos importante, a questão das drogas não pode jamais ser tratada com leviandade. As cracolândias espalhadas pelas grandes cidades mostram os efeitos das drogas para quem quiser ver. Não é com inconsequência, travestida de humanismo, que esse problema será resolvido



Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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