11 de novembro de 2024

Como a avaliação neuropsicológica contribui para a eficácia do tratamento na prática clínica de tratamento da dependência química?

15 de agosto de 201716min473
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(imagem reprodução)

A avaliação neuropsicológica se mostra uma ferramenta importante na identificação dos comprometimentos cognitivos decorrentes do uso ou abuso de substâncias.

*Por Adriana Moraes

Como a avaliação neuropsicológica contribui para a eficácia do tratamento na prática clínica de tratamento da dependência química? Quem irá responder essas e outras questões sobre o tema, é apsicóloga Dra. Priscila Previato de Almeida, especialista em avaliação neuropsicológica, que atua no CRATOD (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas) e na Clínica Alamedas.

Neuropsicologia

A neuropsicologia é a área encarregada de estudar a relação entre o cérebro e comportamento cognitivo, sensorial, motor, emocional e social do indivíduo [1]. Ao lado de outras áreas do conhecimento neurocientífico, tais como a neuroimagem, a neurologia e a psiquiatria, a neuropsicologia tem se empenhado no estudo da cognição, das emoções, da personalidade e do comportamento sob o enfoque da relação entre esses aspectos e o funcionamento cerebral.

Dependência Química e a Avaliação Neuropsicológica

A dependência química pode ser entendida como uma alteração cerebral provocada pela ação direta da droga nas diversas regiões cerebrais. O consumo de substâncias psicoativas pode causar mudanças duradouras na estrutura e no funcionamento neuronal, que são a base das anormalidades comportamentais associadas à dependência. [2]

A avaliação neuropsicológica se mostra uma ferramenta importante na identificação dos comprometimentos cognitivos decorrentes do uso ou abuso de substâncias. A avaliação pode auxiliar no comportamento do diagnóstico e na compreensão da dificuldade de manutenção da abstinência; além disso, pode ajudar no tratamento e na orientação dos usuários de drogas. [3]

Acompanhe a entrevista:

Qual o objetivo da avaliação neuropsicológica?

A avaliação neuropsicológica tem como objetivo principal avaliar o funcionamento cognitivo do sujeito, estabelecendo relações entre o funcionamento cerebral e o comportamento.

Quais são os princípios básicos que caracterizam a avaliação neuropsicológica?

A avaliação neuropsicológica utiliza conhecimentos das várias áreas ligadas à neurociência, sendo uma prática específica do profissional psicólogo. O profissional deve estar atento à história pregressa do paciente, colher dados sobre o desenvolvimento físico e mental, além de avaliar como se deu a progressão da condição existente e elaborar prognósticos.

Explique o que são testes neuropsicológicos e qual o critério para a escolha dos testes?

Os testes são ferramentas padronizadas que permitem ao profissional avaliar de maneira quantitativa as funções cognitivas, permitindo fazer comparações e inferências sobre o que está normal ou prejudicado no sujeito. Os testes são escolhidos levando-se em consideração a idade, o grau de escolaridade e a queixa principal do paciente.

As reações provocadas pelas substâncias no cérebro ainda são motivos de investigação e controvérsias. Como é realizada a avaliação neuropsicológica em usuários de drogas?

A avaliação neuropsicológica em usuários de substâncias é um grande desafio. Cada substância age de uma forma no sistema nervoso central, tem receptores específicos para cada uma delas, além de alterar o comportamento de acordo com essa ação específica. O que se tem em comum é que todas as drogas agem direta ou indiretamente no sistema de recompensa cerebral, área envolvida com a busca de prazer, com papel central no mecanismo da dependência. Portanto, precisamos considerar variáveis como tempo e frequência de uso, tipo de substância utilizada e a presença ou não de comorbidade psiquiátricas. Outra questão importante refere-se ao tempo de abstinência e o quanto a substância demora para ser eliminada do corpo, como por exemplo, no caso da maconha, a qual fica depositada em tecido adiposo e permanece recirculando no organismo durante um tempo, mesmo após o sujeito ter interrompido o uso.

Quais são os principais prejuízos cognitivos no cérebro associados ao uso de álcool? De 01 exemplo de teste que possa identificar esses prejuízos.

Indivíduos dependentes de álcool tendem a apresentar alterações importantes, principalmente ligadas às funções de memória, atencionais e executivas, como por exemplo, na memória de trabalho, capacidade de aprendizagem, resolução de problemas e tomada de decisões. Estas funções podem ser avaliadas por testes como o Rey Auditory Verbal Learning Test, DigitSpan, no caso da memória e aprendizagem;  o Trail Making Test, que mede aspectos atencionais, e outros como Wisconsin CardSorting Test, Stroop Test, Iwoa Gambling Task para a avaliação de diversos aspectos do funcionamento executivo.

No desenho abaixo, identifique quais funções do cérebro são afetadas pelo uso de maconha e crack . Como a avaliação neuropsicológica contribui para a eficácia do tratamento na prática clínica de tratamento da dependência química?

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(imagem reprodução)

Existem receptores canabinóides em quase todo cérebro. A maconha vai agir principalmente nas áreas cerebrais responsáveis pela coordenação, percepção do tempo e espaço, julgamento e memória, além de agir indiretamente no sistema de recompensa cerebral. Já o crack, produz seus efeitos por se ligar ao transportador de dopamina, não permitindo que a dopamina liberada na fenda sináptica seja recaptada para dentro do neurônio, ocasionando o efeito euforizante da droga. Age diretamente no sistema de recompensa, além de áreas como o córtex pré-frontal, responsável pelo julgamento, tomada de decisão, bem como áreas relacionadas com a memória e a atenção.

A avaliação neuropsicológica vai permitir o delineamento de um tratamento mais individualizado de acordo com tipo e o grau dos prejuízos cognitivos observados, contribuindo assim para uma maior eficácia do tratamento.

De que forma a neuropsicologia ajuda a identificar se o uso de drogas alterou o desempenho cognitivo do indivíduo ou se esses prejuízos existentes já o acompanhavam desde a infância?

Para responder essa pergunta é preciso fazer uma entrevista de anamnese detalhada, colher dados sobre o funcionamento pré-morbido deste paciente e de acordo com o resultado da avaliação, fazer inferências. Existem funções que teoricamente não são afetadas por uma injúria no cérebro, pois seriam habilidades cristalizadas e resistentes a um possível declínio cognitivo. Um exemplo é o desempenho na tarefa de Vocabulário da Escala Wecshler de Inteligência.

Dra. Priscila, qual a importância da neuropsicologia na sua prática como psicóloga?    

A neuropsicologia contribui para uma prática mais condizente com as capacidades reais de apreensão da técnica empregada para um paciente. Por exemplo, a terapia cognitivo comportamental exige capacidades como julgamento e insight que estão prejudicadas em determinados momentos, seja pelo uso crônico de drogas ou por um episódio depressivo atual. A abordagem do psicólogo deve considerar esses aspectos dentro de uma proposta terapêutica, o que vai melhorar a adesão deste paciente ao tratamento.

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Dra. Priscila agradeço suas informações!

*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).

 

Referências:

[1]  http://www.fcmsantacasasp.edu.br/images/Arquivos_medicos/2009/54_3/vlm54n3_8.pdf

[2] O tratamento do usuário de crack – Marcelo Ribeiro, Ronaldo Laranjeira (Orgs) 2ª edição – Porto Alegre: Artmed, 2012.

[3] Neuropsicologia: teoria e prática/ Organizadores, Daniel Fuentes… [et al] – 2ª edição – Porto Alegre: Artmed, 2014.


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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