Os fios da dependência

16 de dezembro de 20086min7

Os fios da dependência

Pesquisas indicam que a presença do receptor OPRMl pode tornar o indivíduo mais suscetível ao alcoolismo

Na última edição de Carta Capital, mostramos como o álcool atua na mesma rede neural das endorfinas, as substâncias relacionadas ao prazer. O conhecimento dessa ligação foi possível graças à descoberta de uma substância, o naltrexone, que bloqueia a rede e torna a bebida pouco prazerosa. Mas este efeito só ocorria em alguns pacientes, por fatores genéticos.

Há dez anos, a cientista americana Mary-Ieanne Kreek descobriu a existência de diferentes tipos de receptores que se ligam ao naltrexone, cada um com uma resposta diferente à droga. Cerca de 15% dos caucasianos possuíam um tipo de receptor, o OPRM1, que os tornava mais suscetíveis ao alcoolismo.

Numa pesquisa conduzida por Christina Barr, macacos rece beram rodadas livres de bebidas alcoólicas. Constatação: os animais com o receptor OPRM1 tinham efeito mais estimulante com o álcool e bebiam até cair. Os demais, não.

Mesmo com a identificação de um gene que pode induzir ao alcoolismo e uma substância que pode bloquear esse efeito, poucos são os que se beneficiam com o naltrexone. Isso porque o uso abusivo do álcool provoca mudanças cerebrais difíceis de ser revertidas. Primeiro, porque o uso excessivo e as crises de abstinência provocam um padrão comportamental difícil de ser interrompido. O dependente também fica cada vez mais vulnerável ao estresse e ao medo de sofrer com a interrupção da bebida. Por fim, o estresse de qualquer origem é um importante fator de recaídas. A bebida, portanto, passa a ser um ansiolítico que pode ser comprado sem prescrição médica.

O receptor OPRM1 pode ser condição inicial para a formação da dependência. Mas o uso crônico, o estresse e o medo são as condições principais à manutenção dela. E aí a genética também tem um papel importante.

Estudos com receptores de corticotropina (CRH), um hormônio liberado em situações de estresse, levam a crer que há uma rede neural responsável pela maioria das reações comportamentais quando estamos nessas condições. Esta rede, cujo centro é a amídala, está ligada às reações mais primitivas e afetivas e é fortemente estimulada por esse hormônio.

O receptor para a corticotropina na amídala, o CRH1, é encontrado em maior quantidade entre os dependentes de álcool. Testes conseguem reverter o comportamento de beber em excesso quando bloqueamos a sua ação.

Outro ponto importante deste complexo mecanismo é como a amídala desencadeia as reações de estresse. Isso foi descoberto por acaso numa pesquisa, pois a substância P, descoberta em 1930 e ligada às sensações de dor, é liberada pela amídala no cérebro para outros agrupamentos de neurônios, cujo receptor principal é o NK1R.

Quando o receptor é bloqueado, muitas das reações de estresse também desaparecem. Um rato criado em laboratório, que não tem o receptor NK1R, é imune ao alcoolismo. E um estudo aplicado em humanos, em fase de desintoxicação do álcool, utilizando um bloqueador do NK1R, reduziu marcadamente os episódios de recaídas e sofrimento.

Outra pesquisa feita com dependentes identificou acentuada resposta na amídala quando eles viam fotos desagradáveis. Nenhuma reação foi percebida quando a imagem era agradável. Mas, quando esses pacientes recebiam o bloqueador do NK1R, reagiam normalmente às fotos desagradáveis. Isso nos faz crer que os futuros medicamentos para tratar o alcoolismo também servirão para dependência de outras drogas.

Para o doutor Marcus Heilig, diretor do Instituto Americano para o Alcoolismo e Abuso do Álcool e autor de um artigo sobre o tema, publicado recentemente na revista The Scientist, o alcoolismo é uma doença crônica não muito diferente, por exemplo, do diabetes. Não podemos curá-la, mas é possível controlar.

A dependência química é um problema de saúde pública prioritário. Ao contrário do que alguns governos pensam, os impostos sobre cigarros e bebidas nunca foram boas fontes de arrecadação. É só uma pequena compensação ao estrago que essas doenças provocam nas comunidades que toleram vícios.


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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