Inversão de valores: a Monja e a cerveja

19 de agosto de 20216min78
Foto Site Uniad (1)

Monja Coen é escolhida como “embaixadora da moderação da Ambev”

*Por Adriana Moraes

“A minha recomendação é evitar as drogas; o álcool é uma das drogas lícitas mais perniciosas; porque o álcool entra devagarinho; o álcool entorpece a mente; embriagar-se é crime” Palavras da Monja Coen – youtube /2017

A mídia ficou surpresa com a novidade inusitada, a Monja Coen, um dos principais nomes símbolos do budismo no Brasil, agora também é embaixadora da moderação da marca de cervejas Ambev. A função dos Monges e/ou Monjas é ajudar os doentes e os pobres. O convite proposto pela Ambev foi extravagante e causou muita polêmica. Como a Monja irá realizar essa missão e falar sobre moderação?

Segundo definição do Dicionário Informal a palavra moderação significa: agir com cuidado, atenção para com algo ou alguma situação, ter cautela, ser moderado, porém é relevante falar sobre moderação quando se trata de algo positivo, por exemplo: “tomar sol com moderação para evitar riscos para a saúde, é recomendado evitar a exposição prolongada ao sol nos horários mais quentes do dia, entre às 10h e às 16 horas, nesses horários há maior emissão dos raios ultravioletas”, mas o álcool não tem nada de positivo, vale ressaltar que não há quantidade considerada segura para o consumo do álcool, mesmo com pequenas doses, pode-se experimentar consequências desagradáveis e até graves, não existe limite seguro de álcool.

A Monja possui mais de 2,7 milhões de seguidores em sua rede social, pessoas menos informadas ao verem uma propaganda na TV ou em qualquer local poderão pensar “se até a Monja bebe por que eu também não posso beber?” Esse tipo de publicidade só irá incentivar e aumentar o consumo.

O álcool é um depressor do sistema nervoso central, é a substância mais consumida no Brasil. Por ser uma substância lícita (permitida por lei, comercializada de forma legal, exceto para os menores de 18 anos), de fácil acesso e seu preço baixo, são grandes fatores que facilitam o consumo.

O consumo de álcool induz a tolerância (necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para produzir o mesmo efeito desejado) e síndrome de abstinência (sintomas desagradáveis que ocorrem com a redução ou com a interrupção do uso da substância).

Segundo os textos divulgados pela mídia, a religiosa quer estimular o consumo responsável por meio do autoconhecimento e o equilíbrio, importante reforçar que não existe consumo de álcool isento de risco. O uso prejudicial do álcool é associado a mais de 60 tipos de doenças, incluindo desordens mentais, suicídios, câncer, cirrose, danos intencionais e não intencionais por exemplo, (beber e dirigir), comportamento agressivo, perturbações familiares, acidentes no trabalho e produtividade industrial reduzida. Associa-se também a comportamentos de alto risco, incluindo sexo inseguro, doenças sexualmente transmissíveis (DST) e uso de outras substâncias psicoativas. [1]

Problemas relacionados com o uso álcool, não só afetam o consumidor individual, mas também toda a comunidade, mesmo pessoas que não bebem, incluindo familiares e vítimas de violências e acidentes associados ao uso de bebidas alcoólicas.

Como uma Monja pode estar associada à propaganda e venda de bebida alcoólica? No vídeo no youtube 14/12/2017 a Monja Coen disse:

“A minha recomendação é evitar as drogas; que o álcool é uma das drogas lícitas mais perniciosas, porque o álcool entra devagarinho; o álcool entorpece a mente. A Monja Coen cita ainda a 5ª regra do budismo, não negociar intoxicantes, não mexer com intoxicantes , não lidar com intoxicantes e finaliza dizendo que embriagar-se é crime”

Tem coerência a Monja Coen aceitar o convite da Ambev?

Referências:

[1] Aconselhamento em dependência química / Neliana Buzi Figlie, Selma Bordin, Ronaldo Laranjeira. 2ª ed. São Paulo: Roca, 2010.
[2] Qual a visão do budismo sobre as drogas? | Monja Coen Responde | Zen Budismo – https://www.youtube.com/watch?v=se9ucT08al8

*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas). 


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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