7 de novembro de 2025

Remédios mortais

7 de novembro de 202511min62
anxieties-342462_1280

A receita perigosa e acidental que levou Lô Borges e muita gente boa no Brasil, nos EUA e no mundo todo

Por Moisés Rabinovici

O que Lô Borges teria em comum com Michael Jackson, Prince, Whitney Houston, Marilyn Monroe e Judy Garland? Todos morreram por intoxicação medicamentosa. E qual a diferença entre eles? Os medicamentos da intoxicação de Lô Borges não foram revelados até agora, nem se sabe se foram prescritos por algum médico, ou se ele se automedicava.


Michael Jackson morreu, em 2009, por intoxicação aguda da mistura do anestésico Propofol (Diprivan) e benzodiazepínicos (Xanax, Rivotril, Valium e Ativan). Seu médico pessoal foi condenado por homicídio culposo.
 

O ator e músico Heath Ledger misturou Oxicodona, Hidrocodona, Diazepam, Alprazolam e Doxilamina. Morreu intoxicado em 2008.  


Prince morreu de overdose acidental de Fentanil, tomando em pílulas falsificadas de analgésicos, em 2016.

A cantora Whitney Houston afogou-se, acidentalmente, sob efeito de uma mistura de substâncias psicoativas, entre elas cocaína e sedativos, em 2012.

Marilyn Monroe (em 1962) e Judy Garland (em 1969) morreram intoxicadas por barbitúricos, como Nembutal e Hidrato de Cloral. Nessa década de 60, a dose terapêutica de Gardenal, por exemplo, era próxima da dose letal, explica o doutor Ronaldo Laranjeira, médico psiquiatra com especialização em dependência química, professor titular de Psiquiatria na UNIFESP e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Escola Paulista de Medicina. Para ele, é muito importante que se faça um alerta às perigosas misturas de drogas e álcool que podem matar.

Os barbitúricos foram substituídos pelos benzodiazepínicos, dos quais o mais vendido, no Brasil, é o Rivotril. Misturado ao álcool, ele se torna responsável pela maior parte das mortalidades, sem falar que também provoca quedas que matam a população idosa.

“O Rivotril é mais vendido do que Dipirona (analgésico para alívio da dor e antitérmico), muito popular no Brasil”, comentou o Dr. Laranjeira.

Aos benzodiazepínicos, seguiram-se as chamadas drogas “Z” , de Zolpidem, como o Stilnox e o PATZ, uma versão que se absorve sob a língua, mais rápida, e que pode dar mais problemas, por deixar quem o toma em um estado de semiconsciência perigoso para falar com outros, ou escrever mensagens no WhatsApp. Misturadas ao álcool e a benzodiazepínicos podem provocar quedas, trombadas no trânsito, ou parada respiratória.

Nos EUA, cerca de 36 milhões de adultos, com mais de 65 anos, caem a cada ano, o que resulta em três milhões de atendimentos de emergência. Entre os beneficiários do Medicare que tomaram algum benzodiazepínico, 0,9% tiveram um evento de queda com lesão em 30 dias. Entre 1970 e 2015, 220 personalidades americanas, algumas mais outras menos conhecidas, morreram por intoxicação medicamentosa.

Só em Goiás, entre 2020 e 2024, morreram 2.604 pessoas por “comportamentos causados pelo uso de substâncias psicoativas (dependência química) e intoxicação (acidental e intencional por medicamentos e drogas ilícitas)”, pelos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). Em quatro anos, o aumento saltou 70%.

A Sociedade Brasileira de Clínica Médica informou que mais de 14 mil pessoas foram internadas por intoxicação medicamentosa no Brasil, em 2022, um aumento de 18% comparado ao ano anterior. Mas 1,7 milhão procuraram atendimento médico por reação adversa ou interação entre remédios. A ata da Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, de 15 de maio de 2024, informa o registro de 20 mil casos de intoxicação medicamentosa no Brasil, com 50 óbitos.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), cerca de 10,2% da população adulta brasileira já receberam diagnóstico médico de depressão. “Mas os antidepressivos são relativamente seguros, porque não têm efeito calmante ou sedativo, nem são fontes de intoxicação”, diz o doutor Ronaldo Laranjeira.

Um levantamento da Funcional Health Tech junto a mais de 2,5 milhões de beneficiários brasileiros indicou que, entre adultos de 29 a 58 anos, o uso de antidepressivos cresceu 12,4% no período de junho/2023–maio/2024 para junho/2024–maio/2025. No mesmo levantamento, o uso de ansiolíticos apresentou queda de 10,6% no mesmo intervalo.

Uma pesquisa do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ) em parceria com o Datafolha sugeriu que cerca de 89% dos brasileiros com mais de 16 anos disseram que já se automedicaram, ou seja, tomam remédios por conta própria, sem orientação médica.

Em outra fonte, um levantamento mais recente apontou que 28% dos consumidores responderam que “tomam remédios sem orientação” quando têm sintomas leves. No entanto, essas cifras se referem à automedicação em geral (analgésicos, antigripais, etc.), não necessariamente a medicamentos controlados ou de tarja preta.
A MPB tem outros casos anteriores a Lô Borges:

Cazuza morreu em 1990, de complicações da AIDS, associadas ao uso pesado de ansiolíticos e analgésicos.

O baterista Régis Tadeu Filho, o “P.A.” do RPM, morreu, em 2015, por overdose acidental de remédios para dor e sono, disseram seus familiares.

Chico Science, em 1997, bateu o carro num poste, depois de fechado. Ele tomava ansiolíticos e soníferos, o que levantou a hipótese de reflexos reduzidos, nunca confirmados oficialmente.

Maysa Matarazzo, 1977, morreu de intoxicação medicamentosa por overdose de barbitúricos.

Itamar Assumpção, 2003. Morreu de complicações de um câncer, mas usava doses altas de analgésicos e tranquilizantes e teve uma intoxicação medicamentosa parcial durante o tratamento.

Rita Lee teve várias internações ligadas a uso excessivo de calmantes e álcool nos anos 1980, depois tratadas como dependência química.

Elis Regina morreu em 1982 por parada cardiorrespiratória causada pela combinação de álcool e cocaína, mas havia também uso de medicamentos; é considerada intoxicação mista (não só medicamentosa).


Lô Borges foi internado em 17 de outubro com “intoxicação medicamentosa”. Ele não estava em tratamento psiquiátrico. Nem tinha diagnóstico de depressão. Em entrevista à União Brasileira de Compositores, ele declarou: “Na época do Clube da Esquina (década de 60), tomei LSD e fumei maconha”. Mas, em seguida, ele acrescentou: “Não tenho mais tesão nem idade para usar drogas”. 

 

O doutor Laranjeira lamenta: “Muita gente está morrendo no pico da vida, sem a dignidade que merecia”.

Fonte: https://rabinovicimoises.com/2025/11/07/remedios-mortais/

Imagem de Ewa Urban por Pixabay

Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



Newsletter


    Skip to content