Os números e as palavras

CREMESP
Mauro Aranha – Presidente do Cremesp
Se me fosse dado, de forma irrecusável, escolher entre números e palavras, escolheria as palavras. Ainda que números signifiquem inequívocas quantificações, e as palavras pequem pela exatidão e uniformidade de sentidos, são estas que estruturam arrazoados que intentam esclarecer os conjuntos e contextos em que aqueles nos são postos.
Vejam alguns dados presentes nesta edição do Jornal do Cremesp.
A recém-lançada Demografia Médica do Estado de São Paulo aponta que somos 2,79 médicos por mil habitantes, numericamente próximos à Inglaterra (2,8/1000) e ao Canadá (2,4/1000). Na metrópole paulistana somos 4,58 médicos por mil habitantes. Pergunto: temos oferta em serviços de saúde melhor ou equivalente à dos países citados? A distribuição de nossos médicos, em face do território, obedece ao critério de equidade? Quantos, em que condições de trabalho, e com que resolutividade, na região da Avenida Paulista, e quantos nos confins da zona leste e zona sul da Capital?
Capital cujo novo secretário de Saúde anuncia, em outra matéria, o agendamento, em 90 dias, da totalidade residual de exames complementares prescritos por médicos da esfera pública, a serem realizados em 43 hospitais privados. Melhor do que nada (digo sem ironia), mas longe de significar uma solução sistêmica para a grave desassistência médica por que passamos (tão bem retratada na edição anterior do JC).
Estendendo um pouco mais a reflexão sobre a preferência entre números e palavras, no início deste fevereiro, em rede social, alguns poucos médicos supostamente teriam violado o sigilo médico (Artigo 73 do Código de Ética Médica) relativo à internação e doença de pessoa pública, e, outros, ferido a dignidade da mesma (Artigo 23), ao insinuarem que nada fos-
se feito para salvá-la. Serão sindicados por esta Casa. Numericamente, pouquíssimos médicos. Mas, a que custo para os circundantes da pessoa inconsciente que sofre? A que custo para a imagem da Medicina brasileira? E para a esperança dos que trabalham e vivem por um País solidário e melhor?
Se números, no mais das vezes, encobrem a verdade quando em contextos ou enunciados de palavras vãs ou enganosas, prefiro a transparência e a evidência dos grandes gestos. A inequivocidade dos gestos que aproximam pessoas, que lhes promovem direitos, que lhes confortem os sofrimentos. Tudo o mais é duvidoso. E, como bem resumia o velho bardo, o resto é silêncio.
Mauro Gomes Aranha de Lima
Presidente do Cremesp