O Psiquiatra Forense Dr. Hewdy Lobo Ribeiro – Diretor Técnico e Clínico do Hospital Lacan fala sobre gestantes e o uso de drogas para a UNIAD
*Por Adriana Moraes
“Pela placenta passam quase todas as drogas que a mãe usa. Bebê em formação é coisa séria e mamãe abrigando um bebê em formação é coisa mais séria ainda” (Texto: Dr. Claudio Jerônimo)
(imagem reprodução)
O Hospital Psiquiátrico Lacan, situado em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo) é o pioneiro no atendimento especializado no tratamento de gestantes dependentes químicas.
Em março de 2009, o Hospital Lacan iniciou com 30 leitos a clínica pública para adultos dependentes químicos, oferecendo um modelo com capacidade técnica, estrutura física e hoteleira com a qualidade de referência internacional. A partir de 2009 a enfermaria para dependência química passou a ser modelo de tratamento, com seu projeto terapêutico desenvolvido por especialistas da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo). Em abril de 2012, o hospital foi destaque na mídia por ter inaugurado o primeiro serviço especializado em internação de grávidas dependentes de crack. [1]
Programa Recomeço
Cabe destacar que o Hospital Lacan é conveniado com o Programa Recomeço criado pelo Governo do Estado de São Paulo e foi responsável pela primeira internação compulsória de um dependente químico que necessitava de ajuda.
Quando a pessoa não quer se internar voluntariamente, pode-se recorrer às internações involuntárias ou compulsórias, definidas pela Lei Federal de Psiquiatria (Nº 10.216, de 2001). O artigo 9º da Lei 10.216/01 estabelece a possibilidade da internação compulsória, sendo esta sempre determinada pelo juiz competente, depois de pedido formal, feito por um médico, atestando que a pessoa não tem domínio sobre a sua condição psicológica e física.
Uso de drogas durante a gestação
A gravidez é uma fase de expectativa, marcada pela chegada de uma nova vida prestes a iniciar. É um período de grandes transformações na vida da mulher, causando modificações significativas em seu organismo, seu psiquismo e seu papel sociofamiliar. No entanto, a mulher usuária de crack, quando engravida, de maneira geral, fica psiquicamente segregada dessa vivência. [2]
Quando descobrem a gestação, sua rotina dificilmente se altera, continuam usando a substância, mesmo sabendo dos danos que poderá causar em seu bebê. O que seria um momento especial de alegria, para a gestante dependente de crack torna-se uma fonte de angústia, a barriga crescendo e o bebê muitas vezes se tornando um estorvo em sua vida.
O psiquiatra da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), Dr. Claudio Jerônimo no texto: “Grávida pode beber?” explicou que o útero é um ambiente seguro, protegido e inviolável se a mãe estiver protegida também e que proteger as grávidas significa proteger gerações futuras e a vida. Pela placenta passam quase todas as drogas que a mãe usa e não existe uso de álcool seguro durante a gestação. Jerônimo lembrou que bebê em formação é coisa séria e mamãe abrigando um bebê em formação é coisa mais séria ainda. [3]
O crack quando consumido durante o período da gestação, ao chegar à corrente sanguínea, aumenta o risco de complicações tanto para a mãe como para o bebê. No livro “O tratamento do usuário de crack” consta que o uso de cocaína durante a gravidez está associado a uma série de comportamento de risco que com frequência contribuem para a ocorrência de complicações tanto para a mãe como para o bebê. Entre essas complicações, estão as doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS e a hepatite, bem como as decorrentes da elevada exposição à violência, em especial aquela ocorrida em ambiente doméstico. [2]
Entrevista
Infelizmente gestantes usuárias de drogas raramente procuram ajuda ou realizam pré-natal. Esse ponto é de extrema relevância, quais são os impactos do uso de drogas durante a gravidez? A internação involuntária seria a melhor saída para as gestantes que continuam fazendo o uso de drogas?
O Psiquiatra Forense Dr. Hewdy Lobo Ribeiro – Diretor Técnico e Clínico do Hospital Lacan atendeu ao site da UNIAD e nos passou as seguintes orientações:
1ª) O uso de substâncias psicoativas durante a gravidez pode provocar má formação e danos irreversíveis ao sistema nervoso do bebê?
Sim, cada tipo de substância psicoativa pode trazer impactos diferentes para o bebê. Por exemplo, o uso do álcool na gestação pode causar entre outras consequências a Síndrome Fetal Alcoólica com repercussões em vários órgãos; e de tabaco pode causar, por exemplo, o aborto espontâneo ou crescimento fetal reduzido.
2ª) Quais são os impactos do uso de crack na gestação?
O uso de crack durante a gestação está relacionado a parto prematuro ou descolamento prematuro de placenta, aborto espontâneo, placenta prévia, ruptura prematura das membranas, retardo do crescimento intra-uterino, mal formação congênita, entre outros. Após o nascimento pode ocasionar síndrome de abstinência, infarto cerebral, retardo do desenvolvimento neurológico, síndrome da morte súbita, e déficits cognitivos ao longo do desenvolvimento. Vários outros danos podem ocorrer, mas não estão devidamente descritos.
3ª) No tocante especificamente ao leite, o crack passa pelo leite materno?
Sim, se a mãe faz uso de crack, esta substância estará presente no leite, e portando passará para o bebê, em parte, mas com repercussões diversas, algumas ainda não descritas devidamente, por exemplo, qual será a consequência para o desenvolvimento intelectual do bebê quando for para escola.
4ª) Mito ou verdade: bebês de mães usuárias de crack já nascem dependentes?
Mito, pois para o diagnóstico de dependência é necessário um consumo de crack num padrão disfuncional (no caso quem faz é a mãe e não o feto), além de atender a pelo menos outros dois critérios diagnósticos nos últimos 12 meses. Não é possível avaliar estes critérios no bebê. O que comumente se observa é a presença de sinais e sintomas de síndrome de abstinência de crack no neonato, como sudorese, febre, diarréia, hipertonia, convulsões, entre outros.
5ª) Para gestantes usuárias de drogas com dificuldades de parar, a internação involuntária seria a saída?
Antes da internação involuntária, que acontece quando a pessoa não deseja interromper o consumo de substâncias apesar de apresentar um quadro grave (risco de vida, auto ou heteroagressividade, prejuízo cognitivo grave, comorbidades psiquiátricas graves, entre outros critérios), é importante que se ofereça outras modalidades de tratamento de menor complexidade, pois muitas vezes são suficientes para que a gestante interrompa o consumo. Alguns exemplos são tratamentos em UBS, CAPS AD, ambulatórios, Narcóticos Anônimos entre outros. Enfim, caso todas as possibilidades de tratamento sem ser por internação tenham esgotado, e a paciente, mesmo com riscos graves, não aceite o tratamento, fica indicada a internação involuntária de acordo com a Lei 10.216.
6ª) Como são realizadas as internações no Hospital Lacan e qual tempo mínimo de duração?
As internações são realizadas a partir do encaminhamento por serviços de saúde ou pelo sistema judicial. A internação pode ser voluntária (com o consentimento do paciente), involuntária (sem o consentimento, a pedido do médico ou equipe de saúde, e com critérios de gravidade presentes) ou compulsória (determinada pelo Juiz). O tempo varia de acordo com a necessidade do paciente, cada caso é avaliado individualmente pela equipe que atende.
7ª) Explique-nos com detalhes de que forma o Lacan realiza o tratamento para as gestantes dependentes químicas?
As gestantes recebem o tratamento em uma enfermaria especializada para mulheres dependentes de substâncias. O tratamento é multiprofissional, e conta com atendimentos psicológicos individuais e em grupo, atendimento com médico psiquiatra, clínico e obstetra, assistente social, profissional da educação física, terapia ocupacional, enfermagem 24 horas, aconselhamento nos 12 passos dos grupos anônimos, além do acompanhamento da gestação, sendo realizado todos os exames do pré-natal e preparação para o parto e puerpério, sendo um dos aspectos mais importantes a prevenção da recaída após a internação. O pré-natal de alta complexidade e os partos são realizados no Hospital de Referência Leonor Mendes de Barros.
8ª) Qual foi a importância do 2º Fórum realizado pelo Hospital Lacan com o tema: “A dependência química na gestação”?
O uso de substâncias psicoativas entre gestantes é um tema complexo e delicado, pois envolve além da saúde da mulher a saúde do feto. É uma grande preocupação para a saúde pública. Em geral a mãe teme relatar o consumo ou a quantidade exata deste consumo de substâncias, por medo de represálias. Este medo dificulta o acesso destas gestantes ao serviço de saúde e ao tratamento adequado. Também, muitos profissionais da saúde sentem falta de maior capacitação para manejar estes casos diante da gravidade. Foi um sucesso com profissionais de saúde e gestores do estado inteiro.
Agradecemos ao Dr. Hewdy pelas informações e atenção com o site da UNIAD!
*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).
Referências:
[1] tese de mestrado Dr. Hewdy https://www.unip.br/ensino/pos_graduacao/strictosensu/administracao/download/adm_hewdyloboribeiro.pdf
[2] O tratamento do usuário de crack – Marcelo Ribeiro, Ronaldo Laranjeira (Orgs) 2ª edição – Porto Alegre: Artmed, 2012.