Por que tantos profissionais de saúde têm dificuldade em pedir ajuda?

*Por Adriana Moraes
“Quando estamos sob muita pressão, podemos fazer coisas sem pensar, algo que se tivéssemos um pouco mais de tranquilidade, faríamos de um jeito diferente.”
Há cerca de 15 dias, foi divulgado mais um caso envolvendo uma profissional da área de enfermagem que enfrentava uma depressão severa e infelizmente, perdeu a vontade de viver e tirou a própria vida. A notícia deixou seus colegas profundamente abalados, especialmente porque ela não buscou ajuda quando mais precisava.
Infelizmente, essa não é uma situação isolada. A mídia tem divulgado casos de profissionais de saúde que, em meio a um intenso sofrimento emocional, tiraram a própria vida. No entanto, o número real pode ser ainda maior. Muitos casos não aparecem nas estatísticas oficiais por diferentes motivos. Em algumas situações, por respeito às famílias ou por questões legais, o suicídio acaba sendo notificado como outra causa de morte, como uma parada cardíaca ou um acidente.
Revista JAMA Network Open
Dados recentes reforçam a gravidade desse cenário. Um estudo publicado em 2024 na revista JAMA Network Open revelou que, entre 2008 e 2019, as taxas de suicídio entre profissionais da saúde nos Estados Unidos foram expressivamente mais altas do que na população em geral. Enfermeiros e técnicos de saúde, por exemplo, apresentaram risco até 50% maior de suicídio em comparação com outras profissões.
Revista PLOS One
Além disso, uma análise publicada em 2024 na revista PLOS One trouxe mais um alerta importante: o risco de suicídio entre profissionais de saúde é consistentemente mais alto do que em outras categorias profissionais. O estudo, que reuniu dados de países como Estados Unidos, Reino Unido e Austrália, identificou que enfermeiros, médicos e outros trabalhadores da linha de frente da saúde enfrentam uma combinação de fatores de risco agravados pela sobrecarga emocional e física, especialmente após a pandemia de COVID-19. Esses achados reforçam a urgência de políticas institucionais mais robustas de prevenção, suporte psicológico e cuidado com a saúde mental dos profissionais da área.
O sofrimento emocional entre profissionais de saúde é uma realidade delicada e, infelizmente, muito presente. Médicos, psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e tantos outros enfrentam uma combinação de fatores que os coloca em maior risco de adoecimento emocional não tratado e, nos casos mais graves, de suicídio.
Essa realidade silenciosa evidencia a urgência de falarmos mais sobre saúde mental, de combatermos o estigma e de fortalecermos as redes de apoio para aqueles que cuidam dos outros, mas muitas vezes sofrem em silêncio.
Aqui alguns dos principais motivos pelos quais profissionais de saúde têm dificuldade em pedir ajuda quando estão adoecendo emocionalmente:
Cultura da autossuficiência
Desde a formação, muitos profissionais de saúde são treinados a cuidar dos outros, a “dar conta de tudo” e a colocar suas próprias necessidades em segundo plano. Existe uma crença silenciosa (e muitas vezes reforçada) de que pedir ajuda é sinal de fraqueza ou incompetência.
Medo do estigma profissional
Há um medo real de julgamento por colegas e superiores. Muitos têm receio de serem vistos como “incapazes”, “instáveis” ou “não confiáveis”. Em algumas especialidades, há ainda o receio de perder a licença profissional ou enfrentar restrições no exercício da profissão.
Negação e minimização dos próprios sintomas
Por conhecerem os critérios diagnósticos e os sinais de adoecimento, muitos profissionais acabam racionalizando e minimizando o próprio sofrimento, dizendo a si mesmos frases como:
“É só cansaço”, “Vai passar”, ou “Eu sei como lidar com isso”.
Excesso de trabalho e falta de tempo para cuidar de si mesmos
Rotinas exaustivas, plantões prolongados e a pressão constante para desempenho podem dificultar que o profissional reconheça e cuide de sua própria saúde mental.
Acesso fácil a meios letais
Infelizmente, o conhecimento técnico e o acesso a medicamentos ou outros meios tornam o risco de suicídio ainda maior entre esses profissionais.
Desconexão emocional e esgotamento (Burnout)
A exposição contínua ao sofrimento dos outros, a sobrecarga emocional e o desgaste com o sistema de saúde podem levar ao esgotamento. Isso aumenta o risco de depressão, desesperança e suicídio.
Saber reconhecer os sinais de sofrimento pode salvar vidas.
O que podemos fazer?
Falar abertamente sobre o sofrimento emocional de quem cuida dos outros. Estimular uma cultura de autocuidado, de prevenção e de supervisão emocional entre colegas. Incentivar momentos de escuta, acolhimento e apoio mútuo. E, acima de tudo, reforçar que buscar ajuda é um ato de responsabilidade e coragem.
Se você é profissional de saúde e está se sentindo esgotado, triste ou em crise emocional, saiba que você também merece cuidado.
O livro Crise Suicida – Avaliação e Manejo traz um alerta essencial:
“Quando estamos sob muita pressão, podemos fazer coisas sem pensar, algo que se tivéssemos um pouco mais de tranquilidade, faríamos de um jeito diferente.”
O desespero, a perda momentânea da esperança e a impulsividade podem levar uma pessoa a cogitar ou tentar tirar a própria vida. Por isso, reconhecer esses momentos de crise e buscar ajuda imediata é fundamental para interromper esse ciclo e preservar a vida.
Se você é profissional de saúde e está passando por um momento difícil, lembre-se: assim como você dedica sua vida ao cuidado dos outros, também merece ser cuidado. Reconhecer o sofrimento e pedir ajuda é um gesto de força, responsabilidade e, acima de tudo, de amor-próprio.
Se estiver em crise, procure imediatamente um serviço de saúde ou ligue para o SAMU (192). Procure também apoio especializado em saúde mental. Há profissionais e serviços prontos para te escutar e te ajudar a atravessar esse momento.
Se estas palavras alcançarem ao menos um profissional de saúde, já terá cumprido um propósito muito importante. Falar sobre saúde mental salva vidas.
Fontes:
– Livro Crise Suicida – Avaliação e Manejo: Neury José Botega – 2015
– Suicídio em profissionais de saúde: uma revisão abrangente sobre prevalência, causas e estratégias preventivas – https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/39228162/
– A relação entre depressão, burnout e suicídio entre profissionais de saúde: uma revisão de escopo – https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/40361258/
Imagem por FreePik
*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).