Entrevista com a Helena T. Sakiyama, Mestre em Ciências da Saúde do Departamento de Psiquiatria – UNIFESP

20 de julho de 202110min201
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Como funciona a dinâmica familiar na dependência química?

Hoje a perspectiva  de compreender  a etiologia  do uso de drogas não está mais centrada no indivíduo dependente, mas no seu entorno familiar. Desta forma, a família também é considerada coautora ou corresponsável  pela dependência química de seu parente. Muitos autores destacam a existência de um funcionamento desadaptativo na dinâmica relacional entre seus membros.  O uso de drogas, surge como um sintoma, uma denúncia de que algo disfuncional acontece no seu interior, à custa de  um falso equilíbrio.  Comumente são famílias que não conseguem estabelecer a discriminação e a diferenciação de papéis, ou seja a fronteira geracional são desrespeitadas pelos filhos, os pais além de serem desautorizados,  ainda os mantem financeiramente. Leis, regras e limites não são cumpridas pela indisciplina, também não cobradas pela negligência e ausência de supervisão.  Produzindo dessa forma, conflitos e brigas, instalando a  desorganização e instabilidade  emocional  da família. A existência da cultura aditiva entre seus membros  pode fazer parte da dinâmica.

Em quais situações a família pode funcionar como fator de risco na dependência química?

Estudos de etiologia do uso de drogas estabelecem complexas correlações e interações de múltiplos fatores,  genéticos, individuais, ambientais, culturais, e sociais. Famílias são implicadas e atuam de variadas formas no decorrer do desenvolvimento desde criança. A família é entre todos, o único e o mais importante fator, tanto de risco como de proteção para o uso de drogas. As características comumente encontradas são uso de álcool pelos pais, permissividade, indiferenciação de papéis, situação em que inexistem hierarquização, inabilidade para transmitir regras claras, ausência de limites, disciplina inconsistente, ausência de monitoramento e supervisão: desconhecer a rede social, descuido com o desempenho escolar; falta de comunicação e diálogo. A despeito de ser fator de risco, a família sofre, é desamparada e  demanda por assistência e orientação.

Como a família pode funcionar como fator de proteção na dependência química?

Continuando a resposta acima, a família por ser o primeiro e fundamental  agente socializador,  funciona como modelo de aprendizado, de proteção , cuidados, de educação e de  transmissão de seus valores, rituais e tradições. Pais que estabelecem consenso sobre o não uso de substâncias; estabelecimento de limites claros,  monitorar o cumprimento de regras,  cobrança nem repressiva e nem excessiva,  diálogo aberto sobre pensamentos,  sentimentos, metas e objetivos; supervisão: conhecer  sua rede social e onde se encontra quando não está na escola,  acompanhar o  desempenho escolar, fazer uma das refeições em família. São fatores protetivos  para a saúde mental de seus membros.

O que as famílias precisam saber para lidar com  seus  entes  dependentes químicos?

As famílias precisam saber que a dependência química é uma doença cerebral crônica, com características de recidiva e necessita de tratamento e depois recuperação. Ter conhecimento sobre os comportamentos dependentes,  que é a busca pela substância para aliviar desconfortos, ou para melhorar o desempenho, ou por prazer, e a repetição deste comportamento leva à dependência. Ter conhecimento que o uso de drogas modifica o funcionamento e a estrutura do cérebro, por esta razão há mudança de comportamentos e de humor.  Saber que ela está implicada pois é uma doença familiar,  mas  tem papel  importante como colaborador ativo no cuidado e tratamento do parente dependente. Também é importante saber que tem direito à assistência, orientação e cuidados para si.

O que é codependência?

O entendimento do termo codependência  se refere à  família, mãe,  cônjuge, ou companheira, envolvida e afetada emocionalmente preocupando-se excessivamente com o  comportamento do marido ou filho  dependente.  Essa designação vem dos anos de 1940, nos primeiros escritos sobre esposas de alcoolistas, que eram vistas como sofredoras que viviam em complementaridade, identificando-se com o marido  disfuncional. Ideia que deu origem ao termo codependência, utilizada na prática  principalmente nos Grupos de Ajuda Mútua. Codependência é um conceito complexo, contestado, que sobrevive em meio à críticas e ceticismo por ausência de estudos empíricos, mas já inserida na cultura social de forma depreciativa. (refs).

Como foi a experiência de participar da pesquisa LENAD Família?

Uma experiência gratificante, de enorme aprendizado e crescimento professional. Foi uma pesquisa inédita, com apoio do CNPq e Fapesp. Um esforço operacional e de logística precisou ser montada, demandado pelo número de 3.153 famílias participantes de todas as regiões do país. Dessa pesquisa, saíram 4 artigos em revistas internacionais, com relevantes  e inéditos dados a respeito das famílias de dependentes químicos,  que sofrem silenciosamente – ainda esquecida  pelos estudos científicos.

O que te chamou a atenção neste levantamento (LENAD Família)?

Que famílias dos dependentes químicos  estão totalmente desassistidas e desorientadas sobre drogadicção e busca por tratamento.  São as mulheres (80%),  mães (46%), esposas, filhas, avós,  que procuram tratamento para seus parentes usuários de substâncias. Já o pai procura, apenas quando o usuário é o filho. Um dado relevante é o tempo que a família leva para buscar ajuda, após o conhecimento do  uso de substâncias, em média 3 anos, sendo 2 anos para usuários de cocaína/crack, e  média 7,3 anos, para usuários de álcool. Um tempo longo para um grave problema de saúde pública, quando o tratamento deveria estar acessível e disponível.  No entanto metade das famílias não sabem o que é o CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas).

O que a motiva a trabalhar com este tema?

Minha entrada nessa área foi há mais de 15 anos,  através da  1a. Pesquisa  com Famílias  pela UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e outras Drogas). Conhecer

as agruras e tribulações a que as famílias são submetidas pelo abuso de drogas,  reveladas pelas pesquisas e confirmadas  na prática clínica, foi e continua sendo   inquietante. As preocupações da Ciência, focada no indivíduo abusador de substâncias,  são bem justificadas, pela extensão de danos  em vários âmbitos da vida do indivíduo.  Não obstante a família estar incluída neste âmbito, se dava pelo importante papel no tratamento.  Tardiamente é reconhecido o impacto  da dependência em cada membro desta família, tornando-a risco para depressão, ansiedade e uso de substância. A motivação vem dessa inquietação: continuar estudando, acolhendo e cuidando  dessas famílias.

Como o OBID pode contribuir para seu trabalho?

Por disseminar informações científicas e de qualidade sobre o complexo universo das drogas, usuários, família, prevenção e tratamento. Também com a perspectiva e esperança de que estas informações possam ser indicadores  que mereçam medidas de políticas públicas com vistas à proteção e assistência à família. São aproximadamente 28 milhões de brasileiros que sofrem com o impacto  de vivenciarem o cotidiano com um dependente químico.

Ref: Orford J. Et al Coping with alcohol and drug problems. The experience of Family members in three contrasting culture. Routledge Taylor & Francos Group. London – 2005.
Bacon I, Mackay E, Reynolds F, Mcintyre A. – The lived experience of codependency : an interpretative phenomenological analysis. International Journal of Mental Health and Addiction  18: 754-771. 2018.

Fonte: Ministério da Cidadania


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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