‘Ando meio deprê’ tristeza ou depressão?

23 de abril de 202111min35
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*Por Adriana Moraes

A depressão é um estado quase inimaginável para alguém que não a conhece “Andrew Solomon”

A pandemia de Covid-19 tem colocado em risco a nossa saúde física com o perigo de nos contaminarmos, bem como a nossa saúde mental, devido ao impacto emocional e à instabilidade que estamos vivendo.

O aumento dos sintomas psíquicos e dos transtornos mentais durante a pandemia pode ocorrer por diversas causas. Dentre elas, pode-se destacar a ação direta do vírus da Covid-19 no sistema nervoso central, as experiências traumáticas associadas à infecção ou à morte de pessoas próximas, o estresse induzido pela mudança na rotina devido às medidas de distanciamento social ou pelas consequências econômicas, na rotina de trabalho ou nas relações afetivas e, por fim, a interrupção de tratamento por dificuldades de acesso. Esses cenários não são independentes. Ou seja, uma pessoa pode ter sido exposta a várias destas situações ao mesmo tempo, o que eleva o risco para desenvolver ou para agravar transtornos mentais já existentes. [1]

É essencial neste momento delicado, cuidarmos da nossa saúde mental. Tenho ouvido com frequência a expressão ‘ando meio deprê’, muitos confundem a tristeza com a depressão, mas se sentir triste é normal em diversos momentos de nossa vida. A depressão afeta a qualidade emocional e física, cujos sintomas passam a interferir de forma significativa na vida das pessoas, causando sérios prejuízos e um sofrimento mental intenso.

A pandemia enfatizou cada vez mais a necessidade de falarmos sobre a saúde mental, especialmente sobre a depressão. Esse ‘depre’ é algo passageiro, um sentimento de tristeza. Já a depressão é muito mais que um acesso de melancolia, trata-se de uma patologia no qual a pessoa sente uma tristeza permanente, desprazer com a vida. É um transtorno mental dos mais graves e incapacitantes, a tristeza e o desânimo podem ser sintomas da depressão, mas não são os únicos. São frequentes também a angústia, ansiedade, desespero e desesperança.

É fundamental saber a diferença entre se sentir triste, sem ânimo, deprimido e estar com depressão. Muitas vezes os sintomas são confundidos, ocorrem interpretações erradas. A depressão é um estado quase inimaginável para alguém que não a conhece. [2]

‘O demônio do meio-dia’

O livro ‘O demônio do meio-dia’: Uma anatomia da depressão, escrito por Andrew Solomon trás o relato do autor sobre sua relação com a depressão.

Trecho do livro: Metáfora [2]

“Há pouco tempo, voltei a um bosque que brincava quando criança e vi um carvalho, enobrecido por cem anos, em cuja sombra eu costumava brincar com meu irmão. Em vinte anos, uma trepadeira grudara-se a essa árvore sólida e quase a sufocava. Era difícil dizer onde a árvore terminava e a trepadeira começava. Esta enrolara-se tão completamente em torno da estrutura dos galhos da árvore que suas folhas pareciam à distância ser as da árvore. Tendo acabado de sair de uma depressão severa, na qual eu dificilmente acolhia os problemas de outras pessoas, me senti cúmplice daquela árvore. Minha depressão havia tomado conta de mim como aquela trepadeira dominara o carvalho. Ela me sugou, uma coisa que se embrulhara à minha volta, feia e mais viva do que eu. Com vida própria, pouco a pouco asfixiava toda a minha vida. No pior estágio de uma depressão severa, eu tinha estados de espíritos que não reconhecia como meus, pertenciam à depressão, tão certamente quanto às folhas naqueles altos ramos da árvore à trepadeira.”

Via de mão dupla: uso de drogas e depressão

A dependência química tem um efeito perturbador e prejudicial sobre a vida do dependente e de seus familiares. As drogas alteram o sistema nervoso central do indivíduo, mudando seu humor, percepção, estado emocional, comportamento e aprendizagem. Todas as drogas agem direta ou indiretamente no sistema de recompensa cerebral, área envolvida com a busca de prazer, com papel central no mecanismo da dependência.

A dependência química caracteriza-se por um padrão de consumo compulsivo da substância psicoativa, estando presente pelo menos três dos sete critérios diagnósticos elaborados por Edward e colaboradores.

– Compulsão para o consumo;
– Aumento da tolerância;
– Síndrome de abstinência;
– Alívio ou evitação da abstinência pelo aumento do consumo;
– Relevância do consumo;
– Estreitamento ou empobrecimento do repertório;
– Reinstalação da síndrome de dependência.

Seja pelo consumo excessivo de drogas ou até pela falta de uso delas, casos de depressão são bastante comuns aos usuários de drogas. As substâncias psicoativas pioram a adesão e a resposta terapêutica dos medicamentos e da psicoterapia, aumentam a impulsividade e podem piorar os sintomas depressivos.

A depressão pode estimular o uso de drogas, assim como o uso de substâncias psicoativas pode levar ao quadro depressivo e um aumento de risco não só depressão como de boa parte das doenças mentais, como transtornos ansiosos, psicóticos e transtorno bipolar, é uma via de mão dupla. Embora o uso de drogas e a depressão possam ser problemas separados, cada um deles tem inquestionavelmente consequências fisiológicas no cérebro que pode acentuar gravemente o outro.

Solomon citado acima, explica que a maioria dos deprimidos que faz uso de alguma droga tem duas doenças vinculadas atuando ao mesmo tempo, cada uma exigindo um tratamento específico e uma acentuando a outra. As duas doenças interagem no sistema de dopamina.

A depressão pode ser a causa do uso de drogas; a depressão pode ser o resultado do uso de drogas; a depressão pode alterar ou intensificar o uso de drogas; a depressão pode coexistir com o uso de drogas sem afetá-lo; o uso de drogas, a retirada delas e a depressão têm sintomas em comum, e isso provoca grande confusão. [2]

A avaliação adequada do estado mental de qualquer usuário de substâncias psicoativas deve ocorrer após um período de um mês de abstinência ou mais, visando diminuir o risco de confusão entre o quadro psicopatológico presente e os efeitos do uso de drogas recém interrompido.

O tratamento integrado das comorbidades associados ao uso de drogas tem sido o mais recomendado, ou seja, deve-se abordar tanto a depressão quanto os transtornos decorrentes do uso de substâncias ao mesmo tempo, se possível pela mesma equipe, o tratamento integrado facilita a aderência ao tratamento.

Superação

Existem pessoas mais sensíveis, que com o impacto psicológico podem se desestabilizar emocionalmente com mais facilidade. Não posso deixar de citar os mais fortes, resilientes aqueles que têm a capacidade de dar a volta por cima, transformando experiências negativas em aprendizado, possuem a famosa resiliência, um conceito muito usado neste momento para caracterizar pessoas que tem capacidade de retornar ao seu equilíbrio emocional após sofrer situações de extremo estresse.

Ao longo de nossa vida, vivemos épocas de alegria, felicidade, tristeza, ansiedade, frustração. Enfrentamos de maneira diferente situações estressantes. Hoje vivemos uma pandemia, com medo do vírus desconhecido, as pessoas estão com níveis mais elevados de estresse e sofrimento psicológico. E você, caro leitor, neste momento árduo, enigmático, está ‘meio deprê’, está sensível ou resiliente?

Referências:

[1] http://bvsms.saude.gov.br/ultimas-noticias/3427-saude-mental-e-a-pandemia-de-covid-19

[2] Solomon, Andrew – O demônio do meio dia: uma anatomia da depressão/ Andrew Solomon; tradução Myriam Campello – 1ª edição São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do Site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas)


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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