ROSELY SAYÃO – Vigiar e punir

11 de dezembro de 20084min10

ROSELY SAYÃO

Vigiar e punir

PARA AMADURECER, É PRECISO ENFRENTAR POR CONTA PRÓPRIA OS PERIGOS DA VIDA

“Tenho 13 anos, e minha mãe vive comentando o que a senhora escreve. Por isso, queria que a senhora falasse que os adultos são estressados e não deveriam ficar tão preocupados com violência e drogas. Deveriam confiar mais nos filhos e nos dar mais liberdade de sair com os amigos sem ficar nos vigiando.”
Crianças e adolescentes são assim: simples e diretos quando querem dizer algo. O filho de nossa leitora tocou em uma questão importante das relações entre pais e filhos hoje. Pois bem, vamos falar a respeito dessa nova modalidade de tirania que muitos pais têm exercido com os filhos: o controle.
A vida que vivemos tem provocado sentimentos fortes nos adultos, como o medo de assaltos, seqüestros e violência física, inclusive a sexual. Sempre que ocorre uma tragédia, principalmente quando envolve crianças e jovens, o fato ganha repercussões impressionantes.
Não é à toa que a síndrome do pânico atinge milhões de brasileiros de todas as idades. A convicção que temos de que a ameaça está no ar e o medo de que algo ruim possa acontecer fazem com que tomemos diversas medidas em busca de proteção. Para quem tem filhos que já atingiram a idade de começar a viver em sociedade por conta própria -sem os pais, portanto- o medo fica ainda maior, já que, além da violência, há outros males, como o envolvimento com drogas. Isso faz com que os pais procurem cercar os filhos de cuidados que julgam eficientes e necessários para sua proteção.
Levar e buscar das festas, dar celular e ligar constantemente, ceder a casa para que os filhos vivam ali suas primeiras experiências sexuais etc. Alguns, mais radicais, apelam até para medidas extremas, como utilizar serviços de detetives particulares para saber se o filho está metido em alguma encrenca.
O problema é que tantos cuidados podem gerar efeitos indesejados. O primeiro foi apontado pelo filho de nossa leitora: os adolescentes julgam as atitudes dos pais exageradas e apenas fruto do estresse deles. Isso faz com que eles mesmos desdenhem tantos cuidados e não reconheçam, portanto, as situações de risco. Afinal, elas existem, sim, não são irreais.
Um segundo efeito importante recai sobre a formação dos filhos: tanto controle constrói para eles uma situação confortável, porém arriscada. Como há quem cuide de tudo para eles, não assumem a responsabilidade perante a própria vida e, principalmente, quando precisam escapar, de acordo com seus interesses, da rede de proteção em que estão aprisionados, não conseguem prever os riscos de suas atitudes.
Viver é perigoso, já disse Guimarães Rosa. Só criança vive sem a angústia e o sofrimento de encarar a vida como ela é.
Para crescer e amadurecer, é preciso começar a enfrentar por conta própria os perigos da vida. Com controle em demasia, os jovens não têm essa oportunidade.
Mais do que ser controlado, o filho precisa aprender como a vida é e saber quais são os riscos de viver para construir, aos poucos, uma atitude de autocuidado em sua vida.


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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