Dependência de crack: o que a neurociência revela sobre tolerância e abstinência

*Por Adriana Moraes
O crack é uma das substâncias mais potentes e destrutivas em termos de dependência química. Seus efeitos são praticamente imediatos (cerca de 5 segundos), muito intensos (aproximadamente 10 vezes mais que a cocaína aspirada) e de curta duração (em torno de 4 minutos). Essa ação rápida e intensa sobre o sistema nervoso central provoca uma sensação de euforia quase imediata, mas passageira, o que leva o indivíduo a repetir o uso com frequência para tentar reproduzir o prazer inicial.
Do ponto de vista da neurociência, o crack atua diretamente no sistema de recompensa do cérebro, especialmente nas regiões associadas ao prazer e à motivação, como o núcleo accumbens, o córtex pré-frontal e o sistema límbico. Ao aumentar de forma abrupta os níveis de dopamina, neurotransmissor relacionado à sensação de prazer, o crack provoca uma estimulação intensa dessas áreas.
Exemplo prático de como isso ocorre:
Núcleo accumbens: é o centro do prazer. Quando o crack é fumado, há uma liberação maciça de dopamina nessa região, gerando uma euforia intensa e imediata.
Córtex pré-frontal: responsável pelo julgamento, tomada de decisão e controle dos impulsos. Durante o efeito da droga, sua atividade diminui, reduzindo a capacidade de avaliar riscos e consequências.
Sistema límbico: ligado às emoções e à memória afetiva. Ele registra a experiência como extremamente prazerosa, reforçando o desejo de repetir o uso e contribuindo para o ciclo da dependência.
O prazer intenso provocado pelo crack no cérebro leva o dependente a fumar repetidamente, muitas vezes até a exaustão, sem considerar os riscos envolvidos. O uso crônico da substância provoca prejuízos cognitivos importantes, que favorecem o isolamento social e dificultam a adesão ao tratamento. Além disso, pessoas que fazem uso de crack apresentam maior frequência de comorbidades e um risco aumentado de suicídio.
Com o uso contínuo, o cérebro passa a se adaptar, fenômeno conhecido como tolerância. Isso significa que, com o tempo, a mesma quantidade da droga já não produz o mesmo efeito, levando o usuário a aumentar as doses e a frequência do consumo. Essa adaptação cerebral está ligada à redução da sensibilidade dos receptores de dopamina, o que torna o prazer natural (como comer, dormir ou conviver socialmente) menos intenso.
Quando o uso é interrompido, surgem os sintomas de abstinência, resultado direto da desregulação dos circuitos cerebrais. O indivíduo pode apresentar depressão profunda, ansiedade, irritabilidade, insônia e desejo intenso pela droga (fissura). Essas alterações ocorrem porque o cérebro, acostumado a altos níveis artificiais de dopamina, demora a retomar o equilíbrio químico natural.
A dependência de crack, portanto, não é apenas um problema comportamental, mas uma doença cerebral crônica, que exige tratamento especializado e acompanhamento contínuo. A neurociência tem contribuído para compreender esses mecanismos e desenvolver estratégias terapêuticas mais eficazes, integrando abordagens farmacológicas, psicossociais e de reabilitação psicossocial.
Buscar ajuda especializada é essencial para quem enfrenta a dependência de crack. Com o apoio médico, psicológico e social adequado, é possível reconstruir vínculos, recuperar a saúde e retomar o sentido da vida.
*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química e Saúde Mental – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).
Foto: Reprodução/TV Anhanguera
