Entenda o posicionamento do governo federal sobre a regulamentação do uso do canabidiol

13 de setembro de 201914min451

Nesta semana, o debate sobre o uso do canabidiol em medicamentos voltou ao cenário nacional, com a publicação de uma consulta pública da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que pretende regulamentar o uso da substância até o final deste ano. A iniciativa causou grande repercussão, tanto é que o Ministro da Cidadania, Osmar Terra, ameaçou fechar a agência caso a regulamentação ocorresse.

Mas por que o governo federal adota uma postura radicalmente contrária neste debate? Será mesmo que é uma questão meramente ideológica? Diante destas inquietações, a reportagem do Portal Imagineacredite entrevistou o Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, Dr. Quirino Cordeiro Jr., que na oportunidade explicou com muita clareza os motivos pelos quais o governo adota tal postura.

Segundo ele, a postura governamental sobre o tema é simplesmente para preservar a vida da população e evitar o crescimento do consumo de drogas no país. Uma vez que – em sua ótica – não existe maconha medicinal e as pesquisas científicas existentes não apresentam provas robustas capazes de comprovar a eficácia da Cannabis no tratamento clínico e terapêutico de doenças como a epilepsia, por exemplo.

“Existem compostos da maconha que estão sendo estudados para se identificar um possível uso terapêutico no futuro. Entretanto, no momento atual, o único composto da Cannabis que apresenta um efeito terapêutico, mesmo assim muito pequeno e com evidências pouco robustas, é o Canabidiol, ou seja, de todas as substâncias presentes, somente ele apresenta alguma consistência. E é interessante, porque o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo tem uma manifestação nesse sentido, o Conselho Federal de Medicina, a Associação Brasileira de Psiquiatria, a Sociedade Brasileira de Pediatria, a Associação Brasileira de Neurologia, a Liga Brasileira de Epilepsia… Enfim, são todas entidades médicas que comungam com a ideia de que o canabidiol pode ser utilizado apenas com uso compassivo”, argumenta.

Ainda de acordo com o secretário, considerando os entendimentos das entidades médicas ligadas ao tema, o uso compassivo do canabidiol somente pode ser considerado em algumas circunstâncias, como em casos refratários de epilepsias causadas pela Doença de Drivet, que afeta crianças. “E essa é uma questão interessante, porque não existe indicação científica nem no Brasil e nem em outro lugar do mundo, para o uso do canabidiol para outras situações clínicas, como também é importante deixar claro que não existe a indicação cientificamente comprovada para o uso de outros compostos da maconha, pois a maconha tem centenas de compostos e também não há indicação desses outros compostos nem para caso de epilepsia refratária. É somente para esses casos específicos”, observa.

Cabe lembrar que dentre as substâncias presentes na maconha está o THC, composto responsável por causar transtornos mentais que favorecem o risco de suicídio, bem como a diminuição de comportamentos cognitivos dos indivíduos. Sendo assim, diante deste cenário de necessidade nos casos específicos, a Anvisa já liberou a importação de extratos e óleos subtraídos da Cannabis. Contudo, Quirino lembrou que estes ainda são perigosos para os pacientes, pois não passaram pelo rigor necessário para seu uso medicamentoso em seus países de origem, e isso, segundo ele, pode favorecer a ingestão do THC pelos brasileiros.

“Esses óleos que são trazidos para o Brasil não possuem nem mesmo nos seus países de origem a confirmação científica de que são seguros para as pessoas, já que elas contêm o canabidiol. […] Não registram esses óleos/extratos como remédio, pois para você registrar uma substância como remédio é necessário que aquela substância passe por um longo processo de estudo, de investigação, principalmente para avaliar a segurança e eficácia. Na verdade, esses óleos e extratos são registrados, em seus países de origem, como suplementos alimentares. Isso significa que nós temos informação alguma da sua segurança ou eficácia, e mesmo assim, a ANVISA já vem liberando a exportação desse produto há algum tempo, o que nos deixa muito preocupados, pois a gente não sabe que tipo de efeito real essas substâncias vão acabar levando para a saúde das pessoas, em especial, das crianças que fazem uso desses extratos”, acrescentou.

Brasil não pode cair no modismo

Diante da forma como os extratos são registrados em seus países de origem e da permissão da ANVISA para a sua importação, Quirino criticou a postura da agência no processo de regulamentação do canabidiol. Segundo ele, a agência está sendo alvo de uma pressão mercadológica da indústria que quer explorar a produção desses extratos não como medicamentos, mas sim como fitoterápicos – que são produtos que não passam pelo mesmo rigor científico de um medicamento convencional.

Aliada a este fator está também à permissão para o plantio da maconha em residências, para a extração do canabidiol, que consta na consulta pública da ANVISA, e que o Ministério da Cidadania também é completamente contra. Tudo por considerar que o plantio pode resultar em problemas inerentes ao processo de extração e armazenamento da substância, bem como favorecer o crescimento do plantio de maconha no Brasil. Sem contar com a falta de base científica nacional e internacional para o uso medicinal do canabidiol.

Por isso, Quirino argumenta que o governo federal vê o processo aberto pela ANVISA com grande preocupação, ao ponto de falar em fechamento da agência.

“Em que pese o posicionamento contrário e cuidadoso das entidades médicas e das entidades científicas, vários governos de outros países vêm flexibilizando a possibilidade do uso dos derivados da Cannabis para o tratamento de pessoas com os mais variados quadros clínicos. Por isso que aqui no Brasil nós precisamos tomar cuidado com isso, para que a gente não embarque no modismo e não permita que esse movimento todo não seja utilizado como a ponta de lança para legalização da maconha no Brasil, pois, no fim das contas, esse movimento todo tem sim a clara intenção de se valer desse movimento da liberação da dita liberação da maconha medicinal, para no final se utilizar como ponta de lança para liberação das drogas no país, e não é só da maconha”, justifica.

Segundo ele, a regulamentação poderá ser utilizada como ponta de lança para a regulamentação das drogas no país, porque o uso da “maconha medicinal” contribuirá para a redução da percepção de risco de dependência no seio popular e, consequentemente, aumentará o consumo da droga no país. “Hoje em dia, é comum encontrar adolescentes que acreditam que o cigarro de maconha faz menos mal que o cigarro de tabaco. Por quê? Porque, na verdade, esse movimento todo que vem passando a ideia equivocada de que maconha não faz mal, e que maconha é remédio, é terapêutico… Na verdade, esse movimento vem diminuindo a percepção de risco na população, e em especial na população mais jovem sobre os importantes malefícios causados pela maconha”, destaca.

Há uma luz no fim do túnel?

Se o extrato da Cannabis que chega ao Brasil não é regulamentado como medicamento, se não há base científica que garanta a eficácia do uso da substância, se o governo é contra qualquer regulamentação do uso ou produção da “maconha medicinal” no país, fica o seguinte questionamento: Há alguma saída para os pacientes brasileiros? Para o Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, a resposta é sim.

“Hoje, no Brasil, nós temos um cenário bastante interessante. Temos um laboratório instalado no país que está com perspectivas concretas já para produção do canabidiol sintético, ou seja, é o canabidiol isolado, canabidiol puro, e que não precisa ser extraído da Cannabis. Ele é produzido em laboratório. E esse é um cenário bastante interessante, pois permitiria uma ação com bem mais eficácia, pois você tem o isolamento do produto, do canabidiol”, afirma.

Mas, no debate sobre a regulamentação da Cannabis, um dos argumentos é que a produção restritiva e industrial pode causar o monopólio de produção e resultar no encarecimento do produto, gerando a sua inacessibilidade, sobretudo, pelas famílias de baixa renda. Contudo, Quirino não acredita nesta possibilidade, pois ver no canabidiol sintético a pá de cal necessária para enterrar a ideia que visa o fomento do plantio da maconha no Brasil.

“Seria mais barato, porque seria produzido em larga escala, a produção seria mais rápida, pois seria produzida em laboratório, e com o custo menor. Para além disso, não seria necessário para essa produção o plantio de maconha no Brasil, ou seja, o Estado Brasileiro não precisaria permitir o plantio da maconha aqui no país para produção do canabidiol sintético. Então, é essa perspectiva de nós termos no país a produção, em breve, do canabidiol sintético, num cenário bastante interessante, e inclusive com um preço bem mais em conta.

Além disso, é importante aproveitar a oportunidade de falar sobre isso, porque existem também várias pessoas dentro desse movimento pró-utilização de extratos e óleos da cannabis dizendo que o quê funcionaria para o tratamento das pessoas não seria somente o uso do canabidiol isolado e sintético, mas seria, na verdade, a junção desses vários compostos canabinóides que são presentes na planta que teriam a ação terapêutica. No entanto, não há nenhuma evidência que dê sustentação a isso. Aliás, pelo contrário, todas as pesquisas que foram realizadas, pesquisas mais robustas e com evidências mais robustas, que dão sustentação pro uso do canabidiol, foram realizadas com o canabidiol isolado, e não com vários compostos, como alguns grupos querem advogar”, encerrou Quirino.

Por Sérgio Botêlho júnior

Fonte: Site Portal Imagineacredite


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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