Setembro Amarelo – Qual o papel dos profissionais de saúde diante de um cenário de risco de suicídio?

1 de setembro de 202215min26
Setembro abp2

*Por Adriana Moraes

“Todo paciente que fala sobre suicídio tem risco em potencial e merece investigação e atenção especial. São fundamentais a escuta e o bom julgamento clínico. Por impulsividade ou por erro de cálculo da tentativa, a fatalidade acontece” Dr. Antônio Geraldo da Silva

Chegamos ao mês de setembro e com ele relembramos a importância da prevenção ao suicídio com a “Campanha Setembro Amarelo”, o dia 10 deste mês é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, mas a campanha acontece durante todo o ano. Neste ano, o tema da campanha é “A vida é a melhor escolha!”.

O suicídio é um tema delicado para todos nós, profissional de saúde mental ou para qualquer pessoa. Como podemos ajudar uma pessoa depressiva ou com risco de suicídio? Qual o papel dos profissionais de saúde diante de um cenário de risco de suicídio?

Convidamos o psiquiatra Dr. Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e coordenador nacional da campanha Setembro Amarelo, para falar sobre depressão, prevenção ao suicídio e emergência médica.

Acompanhe a entrevista:

Infelizmente, os índices de pessoas acometidas por quadros de depressão demonstram uma triste e sombria realidade, eles estão aumentando. Podemos afirmar que a depressão tem cura?

O paciente pode ter uma melhora ou remissão dos sintomas, melhora no seu bem-estar e na qualidade de vida, mas isso não significa que o paciente está curado da depressão. Embora não exista um consenso sobre a definição de recuperação plena nos transtornos depressivos, alguns fatores podem ser considerados como indicadores de bem-estar psicológico, como percepção de capacidade e competências para lidar com o ambiente e criar condições para atender necessidades e valores pessoais, percepção de desenvolvimento e realização pessoal ao longo do tempo, autonomia e independência na vida pessoal, atitudes positivas e aceitação de dificuldades e limitações pessoais, entre outras que mostram evolução positiva no quadro.

Quem tem um quadro depressivo pela primeira vez tem 50% de chance de ter um segundo quadro, por isso devemos tratar muito bem para que isso não ocorra, pois se o paciente tiver um segundo quadro, as chances de ter um terceiro aumenta para 70% a 90%. A partir do momento que o paciente tem uma terceira recaída, as chances de ter um quarto quadro passam de 90%, fazendo com que a doença cronifique e o tratamento se torne de longo prazo.

Portanto, nós médicos psiquiatras, precisamos ter todos os cuidados necessários com o paciente para que o mesmo não tenha um segundo quadro e assim por diante, pois cada vez que o paciente desenvolve novamente o quadro depressivo, vai piorando o prognóstico e o resultado do tratamento.

Até hoje existe um enorme estigma associado à depressão por grande parte do público leigo e até mesmo por uma pequena parcela dos profissionais da área da saúde, que ainda vêem a depressão como fraqueza. Quando falamos na doença é comum haver certa confusão: a depressão trata-se de uma falha na liberação de neurotransmissores pelo cérebro ou seria uma tristeza que não tem fim?
A depressão é uma doença que possui várias hipóteses etiológicas. Não podemos confundir a depressão doença com tristeza, pois a tristeza é um sintoma da doença e também algo comum na vida das pessoas. A depressão enquanto doença, é uma síndrome onde o paciente apresenta vários sinais e um conjunto de sintomas, formando o que chamamos de depressão.

Ainda existe uma forte resistência das pessoas de encarar o suicídio como uma questão de saúde mental? Qual a razão?
Sim. Existem diversos obstáculos que fazem com que o assunto ainda seja tabu nos dias de hoje. Podemos ressaltar como maior obstáculo o estigma relacionado a conhecimentos insuficientes ou inadequados, levando ao preconceito, discriminação e distanciamento social dos doentes mentais.

Precisamos reforçar que quando se tem preconceito, há uma demora maior pela busca do tratamento psiquiátrico e clinicamente um dos maiores desafios é o paciente resistente ao tratamento. Muitas pessoas também abandonam o tratamento por causa do preconceito e estigma que ainda existem em torno dos pacientes psiquiátricos. Essa é uma realidade, que chamamos de Psicofobia, e está presente em diversos aspectos da sociedade, e, infelizmente, um padecente de doença mental que não realiza o tratamento corretamente ou abandona, tem grandes chances de cometer suicídio.

O estigma mata. Estima-se que o preconceito e a discriminação que traduzem o estigma da doença mental podem resultar em uma redução na expectativa de vida.

O fato de a pessoa estar em isolamento social pode acarretar num quadro depressivo?
Não podemos afirmar que o simples fato da pessoa estar em isolamento social é o suficiente para que a mesma desenvolva um quadro depressivo. Cada pessoa é um ser único, e sendo assim, mesmo que diferentes pessoas sejam submetidas às mesmas situações, cada uma delas terá uma reação diferente. As reações das pessoas não são iguais, cada uma reage de uma forma aos estressores e vai depender da sua carga genética para que ela desenvolva ou não um quadro depressivo.

Há pessoas que ficam em isolamento social meses e acham isso bom, gostam de viver desta forma, já outras pessoas não conseguem ficar em isolamento mesmo que por poucos dias. Isso é variável, depende de cada pessoa, cada situação, e também dos aspectos culturais, que possuem uma influência muito forte em tudo isso.

Como podemos ajudar uma pessoa depressiva ou com risco de suicídio?
Ajudar uma pessoa depressiva ou com risco de suicídio são duas coisas diferentes. Para ajudar uma pessoa depressiva, devemos orientá-la a buscar cuidados, ou seja, um tratamento especializado para a doença. Se a pessoa tem sintomas depressivos, ela precisa e merece procurar ajuda com um médico psiquiatra, que vai indicar e oferecer o melhor tratamento possível.

Os quadros depressivos precisam ser tratados com cuidado e urgência, pois não podemos deixar a doença envelhecer. Se a pessoa está mostrando que tem os sintomas, devemos ajudá-la a procurar um médico psiquiatra para proceder ao diagnóstico, entender qual tipo de ajuda ela vai precisar e iniciar o tratamento imediatamente.

Já para ajudar pessoas com risco de suicídio, se já tiver sido detectado o risco e for situação de emergência, o SAMU deve ser chamado imediatamente para realizar os procedimentos que devem ser feitos, protegendo a pessoa para que ela não cometa o suicídio e não perca a sua vida.

Nos casos que não são situações de emergência, mas a pessoa já deu sinais, é imprescindível levar a pessoa até o serviço médico mais próximo, preferencialmente o serviço psiquiátrico, para que ela receba a abordagem psiquiátrica imediata, que vai saber como manejar a situação e salvar esse paciente, não deixando que ele perca a vida por falta de assistência.

Qual o papel dos profissionais de saúde diante de um cenário de risco de suicídio?
O comportamento suicida é uma emergência médica, pois pode levar o indivíduo desde a lesões graves e incapacitantes, até a sua morte. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta três características psicopatológicas comuns no estado mental dos suicidas que devem ser observadas: ambivalência, impulsividade e rigidez. Logo, o profissional de saúde deve saber manejar a situação, o que nem sempre é tarefa fácil para o não especialista no assunto.

Nos casos de urgência e emergência, o profissional de saúde deve inicialmente reduzir o risco imediato, retirando objetos que possam ser usados para se machucar (facas, instrumentos pontiagudos, remédios, cintos e cordas), vigilância 24 horas da equipe de saúde ou profissional habilitado, manter as portas abertas (não devem ser trancadas), entre outras ações.

Para abordagem do paciente em risco de suicídio, algumas regras gerais devem ser respeitadas, são elas:

  1. Muitas vezes os pacientes com possível risco de suicídio chegam ao profissional de saúde da atenção primária com queixas diferentes daquelas que chegariam ao psiquiatra. O que os leva a buscar a consulta são, geralmente, queixas somáticas. É importante saber ouvir o paciente e entender suas motivações subjacentes;
  2. Todo paciente que fala sobre suicídio tem risco em potencial e merece investigação e atenção especial. São fundamentais a escuta e o bom julgamento clínico. Não é verdade que “quem fala que vai se matar, não se mata”. Por impulsividade ou por erro de cálculo da tentativa, a fatalidade acontece;
  3. O manejo se inicia durante a investigação do risco. A abordagem verbal pode ser tão ou mais importante que a medicação. Isso porque faz com que o paciente se sinta aliviado, acolhido e valorizado, fortalecendo a aliança terapêutica. Dessa forma, é fundamental para o médico não especialista saber investigar e abordar a suicidalidade;
  4. Identificação e tratamento prévio de transtorno psiquiátrico existente, como: depressão, transtorno afetivo bipolar, uso/abuso de álcool e outras drogas etc.;
  5. O profissional de saúde não deve ficar receoso de investigar se aquele paciente tem o risco de suicídio. O tema deve ser abordado com cautela, de maneira gradual. As perguntas devem ser feitas em dois blocos: o primeiro para todos os pacientes, e o segundo apenas para aqueles indivíduos que responderem às três perguntas iniciais que sugerem, pelas respostas, um risco de suicídio.

Agradecemos ao psiquiatra Dr. Antônio Geraldo pelas informações!

Cuide-se e peça ajuda

Finalizo com a frase da cartilha da ABP: “o suicídio pode ser prevenido e a vida voltar a fazer sentido. Lembre-se: a vida é a melhor escolha. Cuide-se!” A sua vida é importante e a ideação suicida pode ir embora se fizer um tratamento para doenças mentais.

Com o tratamento adequado você pode voltar a ter vontade de viver, com qualidade de vida e esperança no futuro. Dê mais uma chance para você, cuide-se e peça ajuda se necessário. Não esqueça, o suicídio pode ser evitado!

Referência:

[1]Cartilha Prevenção ao suicídio – como ajudar? https://www.setembroamarelo.com/_files/ugd/26b667_4bffb3ebf5f14603b901e219632a1785.pdf

*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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