O excêntrico mercado de venda de urina em meio a epidemia de drogas nos EUA

13 de agosto de 201713min112
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Encontradas em quase toda esquina, as lojas de conveniência nos Estados Unidos vendem de tudo: refrigerantes, cigarros, salgadinhos, desodorantes, café, asinhas de frango, hambúrgueres, doces, bebidas, brinquedos e… urina.

Além de causar surpresa num ambiente desses, o último item se tornou pivô de controvérsia em um país onde empregadores têm carta verde do governo para pedir exames sobre uso de drogas antes de contratar alguém – e, em muitos casos, também depois da contratação, sem aviso prévio.

A situação se complica quando se leva em conta que os Estados Unidos enfrentam uma epidemia sem precedentes de opioides, que já mata mais de 100 pessoas por dia de overdose em todos grupos sociais e idades e rendeu um pronunciamento do presidente Donald Trump, na última terça-feira, que classificou a escalada das drogas como “um problema tremendo”, do qual “ninguém está a salvo” .

Os opioides são drogas quimicamente semelhantes que interagem com os chamados receptores opioides de células nervosas no corpo e no cérebro. Podem ser substâncias proibidas, como heroína, ou analgésicos prescritos, como morfina, codeina, fentanil e oxicodona.

Produzidas por dezenas de empresas e geralmente vendidas online, amostras de urina sintética ou real desidratada prometem burlar exames e 100% de eficácia em resultados neutros para usuários de drogas.

A maioria delas, entretanto, é vendida para fins de pesquisa ou “fetiche”, segundo os fabricantes. Mas há empresas que vão direto ao ponto, como o site “urinaultralimpa.com” (em tradução livre), que promete que “Passar num teste de urina nunca foi tão fácil!”. Os donos do “Resolva Sua Urina Rápido”, por sua vez, prometem vender a “melhor urina sintética para exames, criada para proteger sua vida privada em exames toxicológicos”.

Muitos fabricantes de urina sintética se apresentam como “conselheiros sobre testes de drogas”. O argumento da proteção da privacidade também é usado por advogados, ativistas e ONGs americanas, que entendem os exames de drogas feitos por empresas como invasão da intimidade dos candidatos e pedem sua proibição em todo o país.

Enquanto não se chega a um consenso, o xixi artificial – ou em alguns casos real, vendido em versão desidratada, em pó – é vendido online por preços que variam entre US$ 15 e US$ 40 dólares (ou R$ 48 e R$ 130, aproximadamente).

Testes

Troy Evans trabalhou como policial por 26 anos no Estado do Colorado. Depois de se aposentar, há cinco anos, virou sócio de um laboratório que oferece testes de drogas para empresas e para o governo americano.

“Nossos flagrantes de tentativas de burlar os exames cresceram junto com a epidemia de opioides. O que percebemos é que pessoas que usam essas substâncias ilegais apelam para a urina artificial quando se candidatam a uma vaga”, diz Evans a BBC Brasil.

“A reação dos fraudadores varia. Muitas vezes eles assumem quando são confrontados. Às vezes ficam agressivos, irritados”, afirma. “Se for constatado o uso de urina falsa, o candidato é desclassificado na hora.”

Ele explica que os testes são obrigatórios para empregos em agências do governo americano e para todos os motoristas profissionais do país – dos condutores do Uber a pilotos de caminhões.

Nos demais setores, a exigência ou não de testes é uma escolha das empresas. Cada Estado tem regras específicas na hora dos testes, mas a maioria obedece um padrão: o candidato precisa esvaziar os bolsos, tirar casacos e deixar todos os objetos pessoais fora da sala de coleta.

Um exame rápido é realizado na amostra recém-coletada, na presença do paciente. Se houver resultado anormal ou se o candidato mostrar sinais de nervosismo, uma nova coleta é feita na presença do testador, que pode exigir inclusive que a pessoa fique nua para garantir que não haja interferência.

“Temperatura e cheiro são os principais sinais de adulteração. Não tem como uma amostra ter calor muito diferente de 36 graus, que é a temperatura humana. Meu trabalho também inclui avaliar a cor e o cheiro, que é muito característico, e isso me orienta a aceitar a amostra ou pedir nova coleta”, afirma.

As empresas conhecem as táticas de Troy e seus colegas de profissão, e vêm investindo em amostras sintéticas mais refinadas, com adesivos que mantém a urina na temperatura do corpo humano.

Algumas vão além: fabricantes como o Serious Monkey Business vendem próteses realistas de pênis acopladas a bolsas quentes, que supostamente são capazes de driblar os testes feitos com acompanhamento.

As próteses são vendidas nas versões “branco”, “bronzeado”, “latino”, “moreno” e “negro” para, segundo a empresa, “combinar com qualquer tom de pele”.

Fetiche?

A reportagem procurou três fabricantes de urina sintética. Duas não responderam os pedidos de entrevista e a terceira afirmou que não fala com a imprensa.

Todas elas oferecem serviços 0800 para tirar dúvidas de clientes. A BBC Brasil conversou com um dos atendentes.

“Somos um fabricante de urina para fetiche, senhor”. A reportagem diz que precisa fazer um teste para um processo seletivo. “Nossa urina para fetiche é igual à real e não é detectada em testes, garantindo resultados neutros, mas não tem esta finalidade.”

A reportagem insiste pedindo detalhes sobre como utilizá-la para testes. “Não recomendamos que use micro-ondas para aquecer as amostras, mas elas vêm com tiras de calor que garantem os padrões exigidos em testes e melhoram a experiência de fetiche em relações sexuais.”

As alusões ao uso por fetichistas adeptos da “chuva dourada” (urinar sobre o parceiro em relações sexuais) colocam os fabricantes em uma zona cinzenta na legislação americana, que não tem leis federais para restringir ou controlar as vendas de artigos sexuais do tipo.

Frente a popularização da urina falsa em exames, entretanto, dois Estados (Indiana e New Hampshire) proibiram recentemente a comercialização e o porte do líquido.

“Os testes de drogas antes da contratação são muito comuns nos EUA e são legais em todos os Estados”, diz à BBC Brasil a advogada Kathryn Russo, da área de drogas e álcool no mercado de trabalho do escritório Jackson Lewis.

Ela explica que os testes de urina são os mais comuns para a identificação de drogas como heroína, cocaína e maconha no organismo de candidatos, mas que os testes vêm evoluindo e hoje também podem ser feitos no cabelo ou na saliva.

“É preciso que haja uma regulação (na venda da urina falsa). Mesmo que se proíba, ainda vão dar um jeito de disponibilizar ilegalmente. Mas é preciso que haja consequências previstas para quem apela para esse recurso. Se um empregado adultera seu exame, ele precisa saber a que consequências estará exposto”, avalia.

Direitos e deveres

De outro lado, entidades como a American Civil Rights Union (ACLU), criada em 1919 para “preservar os direitos individuais e liberdades” dos cidadãos norte-americanos, criticam a realização de exames toxicológicos no ambiente de trabalho.

Os exames foram regulados por uma lei federal de 1988, que permitiu a empregadores testarem seus funcionários antes da contratação e depois, por sorteios realizados mais de uma vez ao ano.

A lei visa “proteger empregadores e empregados”, com a garantia de um ambiente de trabalho livre de drogas.

“Os empregadores têm o direito de esperar que seus funcionários não estejam alterados no trabalho. Mas eles não podem ter o direito de exigir que os funcionários demonstrem sua inocência fazendo um teste de drogas”, afirma a entidade.

Segundo a ACLU, o acompanhamento de coletas em banheiros é “degradante” e a possibilidade de falhas humanas nos diagnósticos expõe candidatos e funcionários a injustiças.

“A análise de urina revela não só a presença de drogas ilegais, mas também a existência de outras condições físicas e médicas, incluindo predisposição genética à doenças – ou gravidez”, alega o órgão.

À BBC Brasil, a advogada Kathryn Russo afirma que mapeamentos que vão além da presença de drogas no organismo são ilegais e não devem ser realizados por empresas.

“Os testes só são feitos se o empregador quiser e eu recomendo que isso esteja muito claro em uma política interna de testes de drogas, para que todos saibam exatamente os seus deveres e direitos”, afirma.


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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