Pesquisa da UNIAD aponta que cerca de 38,2% dos dependentes químicos da cracolândia, refere já ter tentado suicídio

18 de março de 20206min38

*Por Adriana Moraes

Centenas de pessoas concentradas em um quarteirão, ocupando tanto as ruas quanto as calçadas. Algumas permanecem em constante movimento, outras estão sentadas, em pé ou deitadas, sozinhas ou em grupos. Fumam crack, conversam, cantam, improvisam danças, escutam músicas em rádios de pilha, enquanto outras estão envolvidas em vendas, trocas e negociações como em uma “feira do rolo” de itens diversos, entre pedras de crack, itens artesanais, roupas, materiais encontrados no lixo. Trata-se do fluxo , como dizem ali, ou da cracolândia, como dizem fora dali. [1]

Fumar o crack é a via mais rápida de fazer que a droga chegue ao cérebro e provavelmente esta é a razão para rápida progressão para a dependência. Muitos dependentes de crack passam a noite ou mesmo dias seguidos consumindo a droga até a completa exaustão, sem dormir, sem se alimentar, sem se preocupar com os riscos. Os prejuízos cognitivos do uso crônico do crack contribuem para o isolamento do indivíduo e a baixa adesão ao tratamento.

Dr. Claudio Jerônimo – Psiquiatra

No texto “Assim é a Cracolândia: muito crack, dano cerebral e psicose”, o psiquiatra Dr. Claudio Jerônimo em uma caminhada na cracolândia em 2015, calculou naquele momento cerca de 150 usuários e após atravessar o “fluxo” Dr. Claudio chegou às seguintes conclusões:

– Para abastecer aquele número de usuários ininterruptamente, é preciso ter muito crack. Se cada usuário ali consome em média dez pedras por dia, são 1.500 pedras de crack só para abastecer aquelas pessoas na rua;

– Há muitos psicóticos. Alguns com sintomas típicos, como alucinação, delírio, prejuízo da crítica, pensamento desagregado. Outros não apresentam esses sintomas típicos, mas estão com pensamento desagregado, desorganização do comportamento, prejuízo da crítica;

– Aqueles que não são psicóticos no mínimo têm um dano cerebral grave. São impulsivos, sem crítica, alguns com psicomotricidade visivelmente alterada, quase com incoordenação motora;

– Estão todos intoxicados, de forma que não é possível dizer se essas alterações são permanentes, mas estão muito alterados. [2]

Pesquisa

Pesquisa realizada pela UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas) da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) divulgada em 03 de fevereiro de 2020 mapeou o perfil dos frequentadores em 2016, 2017 e 2019. De acordo com o levantamento, em média, 1.680 pessoas consomem drogas diariamente na cracolândia (chegando a 2.018 usuários no período de pico pela manhã). O estudo alertou sobre alguns dados sobre a saúde mental:

Nem sempre é possível perceber os sinais que podem desencadear o ato suicida, bem como não podemos prever com certeza quem tentará cometer suicídio, principalmente um dependente químico da cracolândia. O estudo mostrou que cerca de 38,2% refere já ter tentado suicídio. Geralmente um fator desencadeante, que leva a sensação de o problema e o sofrimento não ter saída. Fatores de proteção como o apoio de familiares, amigos, bem como o tratamento dos transtornos mentais, fará a diferença em um momento de desespero.

Outro ponto que chamou a atenção na pesquisa da UNIAD foi o que levou o usuário a começar a frequentar a região, segundo os usuários, dentre os principais motivos estão: disponibilidade da droga (31,2%), segurança entre os pares (20,4%).

A utilização do crack produz uma euforia de grande magnitude e de curta duração, seguida de intensa fissura e desejo de repetir a dose, (16,4 %) frequentam a região pelo preço da substância e (14,8%) pela liberdade para uso.

Referências:

[1] https://journals.openedition.org/pontourbe/3530

[2] https://www.spdm.org.br/blogs/alcool-e-drogas/item/1671-assim-e-a-cracolandia-muito-crack-dano-cerebral-e-psicose

*Adriana Moraes – Psicóloga da SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) – Especialista em Dependência Química – Colaboradora do site da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).


Sobre a UNIAD

A Unidade de Pesquisa em álcool e Drogas (UNIAD) foi fundada em 1994 pelo Prof. Dr. Ronaldo Laranjeira e John Dunn, recém-chegados da Inglaterra. A criação contou, na época, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Inicialmente (1994-1996) funcionou dentro do Complexo Hospital São Paulo, com o objetivo de atender funcionários dependentes.



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